A LINGUAGEM FAZ PARTE DA VIDA, mais do que se pensa


Entre outras publicações, foi veiculada uma matéria sobre linguagem que merece uma apreciação: http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,modo-como-casais-conversam-pode-prever-sucesso-do-relacionamento,671729,0.htm (a matéria havia sido publicada em outros meios de comunicação, mas o artigo científico foi publicado em dezembro de 2010). Enumero alguns pontos:
1 a linguagem como foco de pesquisas em termos de tecnologia.
2 a linguagem como foco de pesquisas sócio-comportamentais ou neurológicas.
3 a participação de linguistas em pesquisas envolvendo linguagem natural.
4 a divulgação científica de pesquisas envolvendo linguagem.
5 a relevância prática da relfexão sobre os usos da linguagem.
Observamos que a matéria se enquadra em jornalismo científico, com particularidades de forma-conteúdo.
Um novo estudo publicado na revista Psychological Science, da Associação para Ciência Psicológica dos EUA, descobriu que quem se comunica - verbalmente ou por escrito - em estilo similar é mais compatível.
Trata-se de um estudo na relação entre ciências naturais, formais e sociais, fortemente baseado em data (o case do atual paradigma acadêmico), em que estão envolvidos experimentos com indivíduos. Nesses casos, normalmente há a tendência ao uso de itens lexicais / estruturas como “descobriu(-se)” / “foi descoberto”. 
O que se tem, é claro, é mais uma pesquisa, isto é, grosso modo, um conjunto metodologicamente organizado de suposições e conclusões sobre um determinado assunto, sustentado por um aparato lógico e, no caso, pela interpretação de dados da experiência. 
O material chama a atenção pela relação cada vez mais próxima entre ciência e tecnologia, sobretudo tecnologias da comunicação. Afinal, a ciência preferencialmente deve (como diz o prof. Jorge Campos à luz de sua Metateoria das Interfaces) fazer interface coma realidade. O que se segue é que o estudo faz muito bem a interface com a realidade da comunicação digital, e vai ao encontro da necessidade contemporânea de análises de comportamento comunicativo. 
Dialogando diretamente com o público em geral, os pesquisadores oferecem uma ferramenta de fácil manipulação para o leitor (está em inglês, mas aceita entradas em outros idiomas, pois a análise se dá sob reconhecimento de similaridades da forma textual). O Processamento de Linguagem Natural e a Linguística de Corpus trazem uma grande contribuição nessa área.
O estudo não traz nenhuma contribuição substancial em termos de análise linguística, mas traz uma contribuição substancial em termos de aplicação dessas análises. É notável, porém, uma tendência de modelos de análise linguística envolvendo cada vez menos linguistas!. As causas são inúmeras, e, talvez, a maior delas seja por deficiência da própria prática linguística.
Eis algumas questões pertinentes:
Sabemos que as pessoas tendem a ser atraídas para namorar e se casar com outras que se assemelham em termos de personalidade, valores e aparência física. No entanto, esses recursos pertencem apenas à superfície do que faz um relacionamento dar certo. A forma como os indivíduos falam também é importante.
Toda uma tradição pragmática, sociolinguística, de análise do/de discurso e da conversação deveriam ter muito a oferecer quanto à questão. O ponto é que a 'forma' da linguagem (falada ou escrita) só ficou sendo escopo relevante de análises linguísticas tradicionais em termos de microunidades, como fonemas, itens lexicais e sintagmas, completamente desconectadas do restante de elementos envolvidos. 
A pesquisa focou-se nas palavras chamadas "de função" - não substantivos ou verbos, mas as que mostram como os termos estão relacionados, como preposições e pronomes. Entre as usadas, estão "um/uma", "ser/estar", "qualquer coisa", "aquilo", "vai", "dele" e "e". Como usamos essas palavras constitui a nossa redação e estilo de fala, segundo o coautor James Pennebaker, da Universidade do Texas, em Austin (EUA).
Na tradição linguística, chamamos tais vocábulos de palavras funcionais ou de função (function words), ou de palavras gramaticais (grammatical words), ou de palavras estruturais (ou ainda synsemantic words ou structure-class words). Temos a tradicional distinção entre palavras de conteúdo e palavras funcionais, porém uma palavra funcional, dentro de um sistema, é portadora de um conteúdo altamente relevante à significação.
Isso, pois a língua possibilita construções como: (i) sou gaúcho, ‘mas’ não sou gremista e (ii) sou gaúcho, ‘mas’ você também é - a mesma conjunção veicula conteúdos diferentes no nível da significação; também (iii) a fruta ‘da’ macieira (provém) e (iv) a fruta ‘da’ Maria (pertence), ou ainda, (v) isso é ‘para’ mim (dirigido a) e (vi) ‘para’ mim, é isso (quanto a). O que parece ocorrer, nesses casos, é o fato de que não é somente a conjunção que unicamente “dispara” a implicatura, mas a conjunção dentro de um contexto de sentença. (texto extraído de minha monografia)
A relação entre léxico, conteúdo semântico e (morfo)sintático é pertinente, principalmente no que se refere à interação entre (tipos de) estruturas e significados. O falante, por hipótese, conhece um conjunto de propriedades estruturais (de construção) e de conteúdo, em parte inferencialmente (e relevantemente) através de hipóteses a partir de inputs em contextos.
"Palavras de função são altamente sociais e necessitam de habilidades sociais para serem usadas. Por exemplo, estou falando sobre o artigo que está sendo publicado e, em poucos minutos, quando fizer alguma referência 'ao artigo', você e eu saberemos o que isso quer dizer. Mas alguém que não faz parte da conversa não entenderia", explica Pennebaker.
O exemplo dado me pareceu infeliz, pois se a intenção era tratar do aspecto social de palavras funcionais (em que podemos ilustrar com o “so”, do inglês, podendo ser entendido como uma forma utilizada para tomar um turno de fala em uma conversa, por exemplo, ou de “sim”, do português, compreendido como índice de atenção ao (a fala do) interlocutor), acabou-se por ilustrar índices de referencialidade (isto é, de apontamento para o contexto da referência (extra)linguística) em que “o (artigo)” faz referêcia a um artigo específico de conhecimento dos falantes em interação.
Quando se fala em Semântica em uma perspectiva comunicativa, estamos em uma relação de interface Semântica/Pragmática. Os marcadores conversacionais são vistos como articuladores, como indicadores de intencionalidade/interação (Urbano, 1997). Temos, assim, que o falante, ao adquirir sua língua materna, a adquire dentro de um contexto comunicativo, onde propriedades de todos os níveis linguísticos atuam.
Junto com Molly Irlanda e colegas, ele examinou se o modo de falar e escrever entre casais pode prever o comportamento futuro do namoro e a força de duração dos relacionamentos. Os pesquisadores fizeram dois experimentos, em que um programa de computador comparou o estilo de linguagem dos parceiros.
Note-se a sofisticação da intenção.
No primeiro estudo, os pares de estudantes universitários tinham encontros de 4 minutos enquanto suas conversas eram registradas. Quase todos abrangeram os mesmos temas: Qual a sua formação? De onde você é? O quanto gosta da faculdade? Todas as conversa soaram mais ou menos iguais a "ouvido nu", mas a análise dos textos revelou diferenças acentuadas em sincronia de linguagem. Os casais cuja pontuação no quesito estilo ficou acima da média foram quase 4 vezes mais propensos a querer um contato posterior em relação às duplas cujo modo de falar não estava em sintonia.

O que as pessoas dizem às outras é importante, mas como elas fazem isso pode ser ainda mais revelador. "O que é maravilhoso sobre isso é que realmente não tomamos essa decisão, ela apenas sai da nossa boca", diz Pennebaker.
Este ponto é central em minha opinião (e trato dele em minha tese de doutorado): tomadas de decisão linguísticas (ou não!?) e sua implicação em nossa vida cotidiana. Nesse caminho, temos também da noção da forma impactando o conteúdo (A Retórica Linguística, Costa). Na tradição linguística, há contribuições notadamente relevantes no que se refere à aquisição da linguagem:
A aquisição das formas linguísticas implicam em conhecimento gramatical e reconhecimento de contextos potenciais para determinada escolha lexical ou estrutural ou para seu bloqueio, bem como implicam na “consciência” (progressiva) da existência de várias formas para o mesmo “ato comunicativo” (conhecimento pragmalinguiístico) e na “consciência” de como utilizá-las: selecionar formas que competem (conhecimento sociopragmático) (cf. YAMASHITA, S.; WILLIS, M., 2001).
Incrivelmente, o falante, desde criança, já demonstra essas competências. Nós, porém, desenvolveremos nossas habilidades ao longo da vida, pois estaremos sendo constantemente expostos à relação entre formas, conteúdos e situações.

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