Em meio a tantas discussões sobre linguagem no meio acadêmico e fora dele, em meio a tarefas e recreações do pensamento, em meio a discursos fundamentais na mídia e fora dela sobre EDUCAÇÃO e políticas públicas, parece um dever para quem tem um espaço como este e alguns pensamentos sobre o assunto tratar de um tema como o Ensino de Língua Portuguesa.
Para iniciar a exposição das ideias, é importante pontuar que o debate, como tantos outros, está tencionado em uma articulação, eu diria, falaciosa. Quero dizer com isso que muitos argumentos elencados, em muitos meios, estão sob premissas falsas ou irrelevantes, falsos ou frágeis pressupostos.
Tendo em vista a matéria: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2011/05/mec-defende-que-aluno-nao-precisa-seguir-algumas-regras-da-gramatica-para-falar-de-forma-correta.html, alguns amigos me questionaram sobre o assunto. Após postar o tema no Facebook, iniciou-se uma exposição de opiniões diversas, próprias do meio!
O relevante dessa interatividade é o tipo de espaço interativo de exposição e discussão de ideias e o alcance desse tipo de comunicação interativo-virtual ou Virtuálogo (Campos, 2010).
E assim expus minha perspectiva sobre a questão:
É que há vários problemas no Ensino, especialmente no Ensino de Língua Portuguesa. O objetivo maior da escola deveria ser preparar o cidadão para ser crítico (para ter ferramentas que o permitam ser crítico) e poder se expressar. O "Certo e Errado" é uma tradição gramatical que tem dois vínculos com os gregos: uma tradição da Lógica (Aristóteles) e uma tradição da Retórica (Aristóteles). Ambas as tradições foram negligenciadas e ensinadas de maneira equivocada. Antes, o certo e o errado diziam respeito à maneira "correta de pensar" (Lógica) ou de “ser mais persuasivo” (Retórica). Com as modificações culturais, esses laços foram perdidos.
Quando pontuei essa questão, não negligenciei as tradições gramaticais hindu e latina particularmente, que normatizavam uma leitura “certa” de certos textos e da estrutura da língua. Mas, tanto a partir das aulas do Prof. Jorge Campos da Costa (PUCRS), como de livros como História da Linguística, de Joaquim Mattoso Camara Jr., o Pai da Linguística no Brasil, considero aquelas duas tradições como fundamentais para contextualizarmos o debate que hoje se trava.
E assim continuei:
O que me parece é que a matéria/livro [como não havia lido o livro, somente trechos, a crítica poderia ou não se estender à obra] traz questões de diferentes ordens e que essa complexidade fica pouco clara. Exemplo: (i) "o conceito de correto e incorreto deve ser substituído pela ideia de uso adequado e inadequado da língua", (ii) "o uso varia conforme a situação", (iii) "não se aprende o português culto decorando regras ou procurando o significado de palavras no dicionário.", (iv) "O ensino que a gente defende e quer da língua é um ensino bastante plural, com diferentes gêneros textuais...", (v) "é preciso se livrar do mito de que existe apenas uma forma certa de falar e que a escrita deve ser o espelho da fala", (vi) "...suas variedades linguísticas sejam valorizadas e respeitadas, para que os alunos tenham segurança para expressar a 'sua voz'", (vii) "a função social da escola, com relação ao ensino de língua portuguesa, é - em princípio - prioritariamente ensinar os usos de uma norma mais culta”. Para começar, que conceitos são esses de "correto e incorreto"? Estamos falando de uma tradição grega que foi herdada tanto da Lógica quanto da Retórica, ambas negligenciadas na nossa cultura escolar. Para esclarecermos essas questões e introduzirmos outras (sociolinguística, abordagem por gêneros etc.), é necessário que contextualizemos o debate para o público 'em geral'. 'Em geral', matérias desse tipo, buscando a informatividade (abordando diferentes aspectos), mostram-se pouco informativas.
Então, além de termos como pressuposto da Linguística que há vários tipos de gramáticas, tantas quantas as diferentes perspectivas de teorias gramaticais puderem relevantemente produzir, temos que pensar o que é, de fato, a GT: a gramática tradicional ou normativa. De onde ela veio? Que pressupostos ela segue? O que significa “certo/errado”, “adequado/inadequado”? Se não esclarecermos tais questões, ao falarmos que as aulas de língua devem centrar-se na gramática normativa, não saberemos o que exatamente isso significa.
Considero importante, porém, irmos além. Pensando nos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) e em todo o aparato político em torno do Ensino de Língua Portuguesa, amparado em um avanço teórico e considerando os diversos avanços sócio-tecnológicos, não podemos ignorar que a sala de Língua Portuguesa necessita ser um local em que se reflete mais do que somente a respeito da gramática normativa, como pontuado por muitos. Isso, para mim, é um fato inegável e uma reivindicação fundamentada!
E, assim, continuei expondo meu ponto de vista:
Se conseguirmos refletir, na escola, sobre a linguagem de modo rico, regras, tabelas, gráficos, imagens, textos, enfim, tudo estará a serviço da compreensão dos fenômenos, mas, é claro, devemos explorar os fenômenos (o que é um diálogo? Uma retórica argumentativa? etc.)! O USO da linguagem vai ser adequado a contextos, porque manipulamos a linguagem de modo diferente para propósitos diferentes. A escola, assim, não vai deixar de explorar a norma culta, porque esta estará presente em uma série de contextos. A escola também poderia observar que há uma série de mecanismos lógico-linguístico-comunicativos ancorando tal uso. Assim, tanto a 'estrutura' quanto as diferentes 'formas de linguagem' seriam trabalhadas (e isso poderia servir para a vida “como um todo" e para propósitos específicos: cursos, provas, trabalho etc.).
O que disse aqui é bastante simples e a argumentação delineada integra um trabalho a ser apresentado no I Simpósio Internacional de Ensino de Língua Portuguesa:
A concepção de ensino de língua nas escolas que subjaz a este trabalho está ancorada em dois pressupostos básicos: (i) ensino com foco na estrutura dialógica; (ii) ensino com foco na retórica linguística. Quanto a (i), a aula de língua portuguesa e demais linguagens tem em vista explicitar os mecanismos lógico-linguístico-comunicativos que ancoram o uso social da linguagem, e, em (ii), a aula de língua portuguesa tem em vista explicitar os mecanismos de adequação da linguagem a contextos. A presente proposta tem como objetivo ilustrar uma perspectiva de tratamento da linguagem em que a forma da linguagem e seu conteúdo podem ser analisados em uma interface comunicativo-social.
Desse modo, não podemos dicotomizar o debate de forma a trivializá-lo: ou ensinar a norma culta ou não ensiná-la. O aluno, na escola, não apenas observará, através dessa perspectiva, a norma culta da língua e sua função, pois, mais do que isso, o aluno deverá refletir e conseguir se valer dessas informações para manipular a linguagem de forma relevante. Esse, sim, me parece ser o dever da escola.
Um tema que nos faz pensar,se antes de decorar,nos ensinacem a pensar,não seria melhor.
ResponderExcluirA tradição de certo e errado surgiu da necessidade de estabelecimento de Estados, mais forte durante o séc. XV e também, já presente, na cultura latina. Toda a tradição gramatical ocidental se desenvolveu partir disso. Já nos povos hindus, não era uma questão de se estabelecer como um Estado ou de distinção de classes, mas sim crença de que a Língua poderia tanto manter a ordem quanto iniciar o caos. Voltando ao Ocidente, Carlos Alberto Faraco, em <>, discute a tradição de certo/errado. Ele mostra o panorama histórico-ideológico presente nessa. É bom também salientar que a verdadeira norma culta brasileira não corresponde e nunca correspondeu a Gramática Tradicional, uma vez que essa foi baseada em autores saudosistas de estilo de outros autores portugueses. Nessa época, a linguagem Machado de Assis era considerada demasiado fácil, para não usar termos que realmente empregavam.
ResponderExcluirOutro ponto que vem ao encontro do que a Stéphane expôs é que a formação de cidadãos críticos, historicamente, não foi relevante para o Governo, aos poucos estão tentando mudar, entretanto a maior resistência agora está em quem seria mais privilegiado, o ranço continua.
eu não estudo filosofia, mas acho que a lógia é muito importante para a língua. Sentimos confusos se não têm boas lógias no dialógo. não entendo nada. Ao mesmo tempo,a lingua precisa desenvolver segundo o desenvolvimento da língua. Na verdade, a idiomatica da chian(mandarim) tem muitos significados. Alguns caráteres perecem uns objetos nossa vida.
ResponderExcluirUm olhar chinês sobre esse debate.. interessante! Como estudante chinês de língua portuguesa, a percepção do idioma e do ensino do português é bastante distinta da nossa! A "lógica", a "gramática", os "significados", enfim, são vistos diferentemente de nós que vivenciamos o português como "língua materna". A língua, enquanto sistema, ainda que "autônomo", como uma instituição social, é dependente do contexto cultural. Por essa perspectiva, os caracteres do mandarim, tão modificados ao longo do tempo, são, de fato, "objetos da vida" de quem vivencia esse idioma!
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