Considerado o grande expoente da prosa realista, Eça de Queirós cria a história de um adultério, efetivado pelas personagens Luíza e Basílio, no período em que o esposo da burguesa, Jorge, está em viagem. O relacionamento, entretanto, chega ao conhecimento da empregada, a invejosa Juliana, por meio da descoberta de cartas amorosas. Em meio às chantagens decorrentes, há a ruptura do relacionamento extraconjugal. A morte é o fim, tanto para Luíza quanto para Juliana, chantagista que ambicionava dinheiro e conforto.
Esta argumentação traz considerações sobre a crítica do escritor Machado de Assis à obra de Eça de Queirós O Primo Basílio. Embasando a análise, está o texto “Realismo Naturalismo Parnasianismo”, de Afrânio Coutinho, o qual é referência das citações relacionadas ao contexto histórico-literário. Quando me refiro à questão retórica, por sua vez, faço referência à abordagem do Prof. Campos (PPG-PUCRS) em relação ao efeito das formas sobre os conteúdos.
A obra O Primo Basílio, marcadamente realista e que retrata a classe média lisboeta, é construída de forma a gerar uma crítica feroz aos valores matrimoniais da época, aos vícios, hábitos, à situação política, à burguesia e, inclusive, ao movimento literário romântico. Uma compreensão de características desse tipo pode ser construída através da análise do núcleo dramático da obra, núcleo esse demasiado complexo para sustentar apontamentos altamente retóricos como o de que a personagem Luíza não possui nada além de nervos e músculos, feito por Machado (com suas intenções, obviamente!). O mais interessante, neste caso, e certamente realizado por muitos – através de perspectivas diferentes desta - é evidenciar a intenção retórica do grande romancista brasileiro.
Antes mesmo de a empregada Juliana, personagem de caráter forte e definido, surpreendê-la com a descoberta das cartas, Luíza já havia pensado em por um fim naquela vida de aparências em que estava mergulhada; entretanto, é evidente que eram apenas lapsos de angústia e desejo, um misto de desgosto pela mesmice da rotina e gozo pelos prazeres nunca outrora sentidos. Concordo com criador de A Mão e a Luva que em Luíza “não lhe peçam paixões”, mas diminuí-la, a ponto de questionar “o que tem o leitor do livro com essas duas criaturas (Basílio e Luíza) sem ocupação nem sentimentos?”, revela-se uma um truque retórico, antes de um comentário crítico-literário.
Machado de Assis parece, se interpretado de um modo não-retórico, esquecer-se da corrente literária à qual está vinculado o livro de Eça - a não ser quando a deprecia –, pois argumenta que os sacrifícios de Luíza por causa de Juliana “cortaram o vínculo moral entre ela e nós”. Desde quando a preservação de vínculos morais era um objetivo realista? E ele sabia disso muito bem.
Se relacionarmos os princípios da Escola à obra, veremos que o talhe dado às personagens leva em conta “o uso da emoção que deve fugir ao sentimentalismo ou artificialidade”; além do que “o Realismo retrata a vida contemporânea” - ou seja, em seu espaço-tempo e relações. Assim, quando Machado questiona “em que nos pode interessar a doença de uma criada e a morte dela e de sua ama”, ele demonstra certa indiferença à perspectiva de que “os incidentes do enredo decorrem do caráter das personagens e os motivos humanos dominam a ação”; desse modo, uma vez que as personagens são “retrato fiel da sociedade contemporânea”, elas representam uma crítica, de um tipo específico, à realidade circundante. Da mesma forma, concordo com a afirmação de que “Juliana é o caráter mais completo e verdadeiro”, mas acrescentaria que é o caráter mais presumível.
À questão proposta por Machado: “por que avolumar acessórios até o ponto de abafar o principal?”, responderia duplamente. Uma resposta relembrando a passagem: “o realismo retira a maior soma de efeitos do uso de detalhes específicos”, e outra, afirmando que é justamente essa forma de trabalhar a retórica literária que caracteriza as diferenças estéticas e salienta a obra.
Evidencia-se, é claro, na crítica do fabuloso Machado de Assis, uma grande meditação sobre o texto português. Porém, tal meditação é passível de uma análise retórica que contextualize a crítica do autor - na acepção teórica do termo -, de modo que sua abordagem não pareça desconsiderar a influência do sistema de ideias da época, fundamental para uma compreensão da dinâmica da obra.
obs: texto adaptado de texto entregue para disciplina na Faculdade de Letras.
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