A Base Empírica em Perspectivas

Scientific American Brasil do mês passado destacou o impacto da proposta envolvendo a Teoria M para a ciência de modo geral e mais especificamente para a Física. O impacto está relacionado ao impasse da ‘desconstrução da realidade objetiva’, na relação entre conhecimento pelo processo de medida e pela origem dos processos. A Teoria M visa a uma descrição unificada do Universo, que alguns alegam, como Mario Novello, ser somente uma simplificação formal. 



A questão entre as propriedades do Universo e sua descrição originou diferentes posições filosóficas e inúmeros modelos científicos - fazendo uma distinção metodológica, já que todo modelo científico está atrelado à filosofia da disciplina.

No contexto mais recente, o positivismo lógico, em sua primeira fase, é visto como uma corrente de bases empiristas, que adota um ‘método de verificação/demarcação’ entre o científico e o pseudocientífico, tomando por base o método indutivo probabilístico, pois um modelo da realidade não-determinístico, mas provável, estava sendo assumido (há uma verdade e um método de chegar a ela). As medições, assim, eram feitas para respaldar as leis, por inferência. Só eram válidas as assertivas com base empírica, respaldadas na experimentação, na observação.

Popper, também de bases formalistas, rejeitou essa posição ao criticar o Princípio da Indução, alegando que de não podemos inferir, de forma válida, um enunciado universal de enunciados existenciais, assumindo que a base empírica serve antes para falsear que para corroborar as leis por inferência. 

Para Popper, todo o cientista formula um sistema teórico e o testa, não importando a origem das ideias do sistema, e sim sua coerência intra e interteórica. Essa coerência é testada cientificamente, através de um método: análise e  experimentação. Desse modo, a lógica analisa o método e a experiência descreve um estado de coisas singulares, um enunciado singular. Para Popper, verdades universais podem ser reduzidas a enunciados singulares. O Método Dedutivo de Prova, assim, seria um método de justificação, de validade das teorias, com base no exame e na prova empírica de uma ideia. 

Popper
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Temos, nessa interpretação, que o conhecimento seria objetivo e que as conclusões testadas estariam constantemente buscando sua refutação ou se dirigindo para uma descrição válida da realidade. A verdade científica, então, estaria atrelada a modelos falíveis, mas que podem mostrar-se coerentes (se não refutados) com o Universo dos fenômenos por teste empírico (as teorias são falíveis, e o método?).

Para contestar essa versão logicista, Thomas Kuhn, através de uma abordagem histórico-sociológica, enfatizou que tanto a base empírica neutra quanto o padrão externo de demarcação são pressupostos igualmente problematizáveis. A ‘mesma base empírica’ origina diferentes pontos de vista dominantes, diferentes paradigmas, pois, justamente, o próprio paradigma afeta a medição da base empírica, de modo que o progresso científico se dá intra e interparadigmaticamente, o que implica a existência de diferentes paradigmas concorrentes e possíveis. Não há, igualmente, parâmetro de medição interparadigmática objetivo pelo modelo teoria-realidade, pois é assumida a hipótese da incomensurabilidade das teorias (Quine), onde cada teoria é um modelo descritivo único com aparatos conceituais que não se mapeiam. Assim posto, o melhor paradigma é o que é consenso entre a comunidade científica de uma época. A política científica, desse modo, ganha destaque dentro da filosofia da ciência.

Kuhn
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A ciência, nesse modelo, não é objetiva e sim uma cadeia de escolhas históricas dentro de uma comunidade. A exemplo, para a pergunta o que é linguagem, tem-se, até o momento, três grandes paradigmas (social, natural e formal) e cada um representa uma abordagem possível, resultante de paradigmas anteriores e da evolução intraparadigmática. 

Kuhn, em sua interpretação, está relacionado a uma 'visão cética', de que não se tem conhecimento objetivo do mundo, e a uma 'visão relativista', de que não se tem acesso a uma verdade absoluta, mas a modelos dominantes, pois há potencialmente infinitas possibilidades de mundos possíveis e coerentes, não havendo uma teoria geral e única da racionalidade (que dê conta de todos os modelos de conhecimento racionalmente possíveis).

Para um modelo de falibilismo generalizado, outra leitura da questão, dentro da qual se pode relacionar o pensamento de Lakatos, há Programas de Pesquisa que se colocam como a 'síntese das tradições', isto é, a perspectiva resultante do confronto dos modelos, coerente com áreas conceituais diferentes e mapeáveis; assim, por trás de todos os paradigmas, haveria princípios gerais mínimos que os regem com base na inovação e coerência. 

Desse modo, não apenas temos acesso ao mundo por modelos, mas o próprio mundo seria constituído por sistemas. O modelo mais coerente e evolutivamente forte seria o modelo baseado na consiliência, isto é, coerente com áreas conceituais diferentes, sendo, assim, um modelo progressista. Para Chomsky, por exemplo, todo o seu empreendimento teórico gerativo não se trata de uma teoria cada vez mais aprimorada pelos pesquisadores da área, mas de um Programa de Pesquisa, que assume hipóteses abdutivas  e hipóteses falseáveis.

Lakatos
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Chomsky
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Como apresenta Mario Novello, em artigo da mesma edição da Scientific American Brasil, para muitos físicos, modelos de descrição de ocorrências no mundo não alegam que estejam atingindo a realidade objetiva, mas a definindo dentro de um modelo. A interpretação de Copenhague, por exemplo, enfatizou o modo de conhecer, a observação. A realidade aceitável estaria relacionada ao resultado de uma observação: o que estava fora da observação, não seria científico. A realidade, assim, seria definida a partir de medidas, o que requer um observador externo: descrições de realidade, de propriedades. É discutido, também, que há propriedades ainda não compatíveis com as abordagens disponíveis, nem mesmo observáveis, o que leva alguns cientistas a tratar esse aspecto enquanto “inesgotabilidade do real”; por isso a defesa de que a ciência produz modelos que constituem a realidade

Para Hawking e Mlodinow, em artigo na mesma edição da revista, há diferentes representações da realidade, o que chamam de “realismo dependente de modelo”. O que se teria até o momento, e que inquieta alguns cientistas, é que nenhuma teoria consegue descrever cada aspecto do Universo, sendo "apenas" descrições de fenômenos 'sob certas condições', ou seja, se prevê a necessidade de empregar 'diferentes teorias' em 'diferentes contextos'.


Hawking e Mlodinow
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Segundo os dois físicos teóricos, não há verdade absoluta ou realidade objetiva, sendo que cada teoria é uma versão da realidade; diversidade aceitável e com base na alegação de que nenhuma das visões 'é mais real do que a outra'. De acordo com o realismo dependente de modelo, tal qual expresso no artigo, não se pergunta 'se um modelo é real', mas 'se ele está de acordo com a observação'.

(Continua)

Aproveito para dar meus agradecimentos ao Prof. Eduardo Luft pelas aulas de Filosofia da Ciência e ao Prof. Jorge Campos da Costa pelos seminários e diálogos sobre Ciência/Filosofia/Filosofia da Ciência/Ciência da Filosofia/... Pensadores fazem a diferença. Este texto é uma síntese de notas, das leituras expressas e implícitas e do resultado dessas. É, assim, apenas um chamado para leitura/reflexão/contribuição sobre essas questões.

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