[Teatro] [Irrelevâncias]

As irrelevâncias da vida de um estudante de Letras

Semiótica e Pragmática

[Cena 1]

Uma Estudante de Letras encontra outra Estudante de Letras:

- Oi, oi, oi, X!

- Por que 3 vezes "oi", se um seria suficiente?! Poupe-nos tempo de processamento, my dear!

- Eu estou querendo transmitir a ideia de animação, honey! Já estudei Teoria da Relevância com a Prof. Jane Silveira e com o Prof. Jorge Campos!

- Eu já tenho essa informação armazenada!

- Pois não parece!

- O que tu quer?

- Que mau-humor, hein?!

- Percepção aguçada! Claro, lendo evidência indireta!

- Como se fosse preciso inferir pelo tom ou postura. Você disse “o que tu quer”, enquanto poderia ter dito qualquer coisa mais delicada, muito embora menos relevante [muda de tom, fala apressadamente].

- Você quem me deixou assim, até então eu estava super animada!

- Rápido, compartilhe suposições de seu ambiente cognitivo comigo!

- Foi para isso que eu vim, quero tornar mutuamente manifesta uma série de suposições acerca do dia incrível que passei ontem!

- Hum.. Mas ele não está com a Y?

- Suposição falsa. Ele estava.

- Estava?

- Morfologicamente falando, um verbo flexionado: terceira pessoa do singular do pretérito imperfeito do indicativo do verbo 'estar'; semanticamente, representa uma atividade iniciada no passado, que durou um período de tempo e foi concluída no passado.

- Good for you!

(Começam a rir.)

- Mas, então [Anda de um lado para o outro.], isso implica que... [Começa a rir e a gesticular.]

- Não exatamente, mas gostei da body language! O caso é que você precisa de algumas suposições adicionais, como a de que ele disse que gosta de mim, mas que não quer compromisso por algum tempo... portanto...

- ...ele só quer aproveitar!

- Não seja cruel!

-Não seja babaca! Sei que é duro, mas processe e armazene isso, descartando qualquer outra suposição que a contradiga! Aliás, conheça outras pessoas, amplie seu ambiente cognitivo!

- Prefiro implicar que ele precisa de um tempo e quer me conhecer melhor!

- Claro, emocionalmente mais relevante, entendo...

(Fim do primeiro ato)


Fonética e Fonologia

[Cena 2 – dois alunos de cursos diferentes]

O aluno entra na sala na qual se encontra o Estudante de Letras.

- Gaaa, gaaa... velarizado [Anota em um caderninho.]. Hahhhh... glotal, bom, o glotal está bom. Hiii... laringalizado [Anota.]. Hunnn... nasal [Faz caretas.]

- O que tu tá fazendo? Hiiii, huuu, algum tipo de língua indígena que aprendeu ou de comunicação alienígena?

- É impressionante o que a ignorância produz... são sons existentes no teu próprio sistema linguístico, se tu estudasse o mínimo de fonologia do português brasileiro saberia disso; para tanto, recomendo a obra fundamental da professora Leda Bisol.

- Ok [Pega uma caderneta e anota, dizendo: Leda Bisol]. Agora, me deixa te contar um assunto importante [Abraça o colega e baixa o tom de voz, produzindo sons laringalizados e falando muito rápido: bati o carro, o que implica pontos na carteira, alguns muitos reais e um homicídio duplamente qualificado lá em casa hoje.]

- Isso é horrível!! [Levanta a cabeça, com uma expressão de espanto.]

- O quê? Minha morte? Eu sei...

- Não, os sons que tu produziu! Sabe como esse som é produzido? Você não ama suas pregas vogais, não?

- Amo antes meu pescoço, que apenas por enquanto está sobre meu tronco!

- Não seja tolo. Os laringalizados são sons que devem ser evitados, uma vez que eles são produzidos com demasiada constrição das pregas vocais, o que pode ocasionar lesão na área - recomendo o curso da Profa. Cláudia Brescancini para ontem!

- Por que razão devemos evitar sons existentes?

- Pela mesma razão que você deve evitar dirigir carros existentes!! [Um sai sorridente, e o outro  coloca as mãos para o alto, balança a cabeça e faz expressão facial própria para a situação].

(Fim do segundo ato)

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