"Não estamos entendendo o que está acontecendo."

Ainda hoje pela manhã, jornalistas e comentaristas continuam a expressar a seguinte proposição: "Não estamos entendendo o que está acontecendo".

Tais comunicadores demonstram, assim, uma falta de preparo para a reflexão sobre o tema.

Podemos, então, refletir a respeito de alguns pontos.

Em relação ao que está sendo dito nos grandes canais de comunicação offline, temos como crenças mais fortes: (i) críticas aos atos de vandalismo; (ii) críticas às posições dos grupos de que é positivo o fechamento do Congresso Nacional e de Partidos Políticos; (iii) críticas à falta de uniformização nacional das pautas e da organização dos movimentos.

Bem, comecemos pelo fenômeno mais geral. Parece razoável supor que esse grande número de pessoas que está indo às ruas compartilha de um sentimento (ou "emoção coletiva") de descontentamento cuja origem é um conjunto de crenças mutuamente manifestas (seja em redes sociais, nas conversas de parada de ônibus, em salas de aula, em casa, no trabalho, etc.). O movimento, assim, é resultado de uma racionalidade complexa, que envolve crenças, posições e/ou emoções compartilhadas.

A partir da constatação de que temos verdadeiros atos emocionais sendo perpetrados, podemos refletir sobre o conjunto potencial de crenças que está sendo compartilhado.

O que está sendo dito (nos fóruns e murais de redes sociais, nos cartazes e gritos de guerra, nas entrevistas, etc.) é pista suficiente para identificarmos um conjunto de crenças compartilhadas internamente nos grupos (ainda que não haja mutualidade de crenças por parte de todos os indivíduos).

Passemos à análise das três grandes críticas.

Em relação a (i), notamos que é uma crítica de grande aceitação e baseada em evidências. O passo reflexivo, porém, de atrelar o fenômeno a atos de vandalismo me parece um tanto longo. Com base em evidências de que atos de vandalismo realizados por pessoas são recorrentes no dia-a-dia do cidadão brasileiro, podemos concluir que ele não é particular ao tipo de movimento em questão; e, dada a sua pequena abrangência e adesão pelos cidadãos nas passeatas, podemos concluir que ele não caracteriza o movimento, não sendo parte dele.

Em relação a (ii): críticas às posições dos grupos de que é positivo o fechamento do Congresso Nacional e de Partidos Políticos.

A evidência para essa crítica pode ser apontada em: depoimentos (através dos meios já mencionados) de minorias; ditos (proposições expressamente ditas) por maiorias.

Vejamos, que haja um conjunto pequeno de pessoas que creiam que é positivo o fechamento do Congresso Nacional de e de Partidos Políticos não me surpreende; porém, me surpreende que seja veiculado que, tal como expressa, essa é uma crença compartilhada pelo conjunto dos manifestantes.

Bom, mas o que pensar das grandes massas que estão dizendo serem contra o Congresso Nacional e os Partidos. Vejamos o que está sendo expressamente dito e o que está sendo comunicado (implicado). 

Os manifestantes estão implicando que SÃO CONTRA O CONGRESSO NACIONAL* (tal como está.) E CONTRA OS PARTIDOS* (tal como estão.)

Mais claramente, o que está sendo comunicado, com base nas evidências mencionadas, parece claramente que é:

O CONGRESSO NACIONAL / PARTIDOS enquanto RELAÇÕES DE PODER VIGENTES, não enquanto INSTITUIÇÃO. Não se está comunicando uma adesão ao fechamento da estrutura política, mas a paralisação de uma institucionalização de relações deturpadas. Em última análise: "Se quer um Congresso efetivo, não ESTE Congresso que se apresenta".

Com relação a (iii): críticas à falta de uniformização nacional das pautas e da organização dos movimentos.

Novamente, há enquetes sendo respondidas e documentos sendo entregues a autoridades. Sim, evidencia-se um conjunto uniforme de reivindicações, não apenas uma reivindicação. Sim, as reivindicações são abrangentes, não pontuais, como: O FIM DA CORRUPÇÃO, SAÚDE DE QUALIDADE...

É lamentável constatar que parece não razoável pedir O FIM DA CORRUPÇÃO, já que é fácil identificarmos suas causas e características, não entrarei nesse mérito, porém.

No entanto, parece claro que haja uma pauta homogênea: MAIS SAÚDE E EDUCAÇÃO, NÃO À APROVAÇÃO DE MEDIDAS COMO A PEC37, A CURA GAY, O ATO MÉDICO. REDUÇÃO DE TARIFA DE ÔNIBUS. SAÍDA DE PARLAMENTARES (ESPECÍFICOS) DE SEUS CARGOS POR COMPROVADA INCOMPETÊNCIA.

O que há de não compreensível ou de não identificável a respeito do conjunto acima?

Igualmente clara parece a participação dos meio de comunicação offline, que, com seus helicópteros e drones, falam a respeito dos manifestos, mas só veiculam suposições que não identificam o fenômeno; filmam, mas só veiculam o que não caracteriza os movimentos. Dando, assim, evidências à população para que cheguem a conclusões falsas ou não relevantes.

Deixo minhas constatações abertas a críticas e ponderações, na certeza de que as discussões estão sendo cada vez mais pertinentes e os argumentos, cada vez mais fortes -  o que já é um ganho positivo ao ambiente cognitivo do cidadão.

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