Reply ao Vlogueiro Felipe Neto: Sobre o Uso de Palavrões

Fiquei de postar sobre isso em 2011... Eis:

O Vlogueiro Felipe Neto: “por que não usaria palavrões?”

www.abril.com.br 

PARTE 1:

Contexto do debate: o Vlogueiro Felipe Neto, em uma natural adequação aos seu tempo (aos seus interlocutores) usa, inteligentemente, uma linguagem expressivamente forte. Tanto o conteúdo dessa fala é apelativo como sua forma. Mas é uma expressividade particular - e ao mesmo tempo trivializada.


Faz um pouco mais de uma década que temos ouvido a constatação de que os jovens passaram a utilizar palavrões 'demasiadamente' - de modo que as pessoas se agrediam nos mais diversos ambientes através do uso de palavras; e, depois, passou-se ao seu uso corriqueiro. O palavrão (aqui englobando classes) passou do "agressivo" ao "natural". Mas será que o caráter de agressividade esvaziou-se tão rapidamente?

Questionado pelo uso demasiado de palavrões em sua fala, Felipe Neto lançou mão de um raciocínio do seguinte tipo:

(i) minha audiência é jovem; (ii) jovens falam palavrões o tempo todo; (iii) falar “puta” e “p...” é a mesma coisa, pois todos sabem o que foi dito; (iv) os palavrões se originaram de palavras que não tinham tal conotação, de modo que o problema são as pessoas, não as palavras; (v) a minha fala é adequada ao meu personagem contestador; (vi) a minha fala não teria o mesmo impacto se eu xingasse alguém/algo de “babaca”, por exemplo.

De fato, parece que estamos diante de uma argumentação coerente. Vejamos a qualidade das premissas e a coerência do argumento.

No caso de (iii): pensemos a diferença entre dizer e sugerir. Uma pessoa pode "dizer com todas as letras" algo e também pode sugeri-lo, isto é: se comprometer em menor grau com o que foi dito. Em uma comparação imagética, pensemos na diferença entre o ensaio nu e o ensaio sensual. Dizer e sugerir são coisas diferentes, embora seja uma questão de grau.

No caso de (iv): as palavras variam de sentido na dependência de seu uso pelas pessoas. As pessoas e as palavras estão em uma relação. Dizer que 'o problema são as pessoas' implica em não se comprometer com a premissa de que as pessoas compartilham um conjunto de conceitos em relação a uma dada palavra. Se a palavra não tivesse um sentido mínimo compartilhado não teria sentido (!) utilizá-la para a comunicação verbal trivial. Sim, a palavra não é o agente, mas o meio.

No caso de (v): a relação entre contestação e palavrões parece intuitiva, mas por quê? Palavrões e xingamentos parecem andar juntos, mas não necessariamente, certo? Posso utilizar um palavrão para me declarar ou para expressar alegria. Seja qual for a intenção ou o ato de fala, parece que o uso de palavrões compõe um cenário emocionalmente forte - como aponta Steven Pinker. Os palavrões realmente parecem ser um meio direto de chegar às emoções. E mais, os palavrões parecem compor um cenário de agressividade mesmo quando o sentido das palavras perdeu tal caráter.

No caso de (vi): se tomarmos (iv) como verdadeira, não derivamos (vi). Como o próprio Felipe observa, a escolha do item lexical interfere na força de seu discurso, pois cada item carrega um conjunto de traços de significação específico (isto é, compartilha-se que tal item carregue tal conjunto).

Mas não há uma disciplina que estude isso em termos teóricos?

O Professor Steven Pinker trabalha com uma Semântica (estudo dos significados-tipo) e uma Pragmática (estudo das variações de significado na dependência de situações de uso) cognitivas.

O Professor Jorge Campos da Costa , líder de nosso grupo de estudos na PUCRS (Lógica e Linguagem Natural) defende uma Retórica Pragmática (estudo da relação entre formas e conteúdos da linguagem em uso).

Inclusive, a minha parceira de Blog, a Daisy Pail, fez uma dissertação sobre a Retórica dos palavrões, podendo contribuir com esta discussão.

Intuitivamente, há algo de comum nos palavrões que parece ser universal: seu caráter de força expressiva. Um palavrão exige um estado emocional compatível e seu uso parece compor/disparar tal estado emocional.

E o que se segue? Segue-se que, mesmo que o falante acredite que não está sendo agressivo, seu próprio estado emocional poderia apontar para o contrário. É uma catarse via linguagem. É físico. É uma questão corpo-mente-linguagem.

Preste atenção para o fato de que formas e conteúdos fazem parte do que se passa dentro e fora de nosso software mental.

Falar palavrões, no fim, não é apenas um modo de discursar, é um modo de pensar, é um modo de sentir, é um modo de vida.

Parte II (a ser postada): Nosso comportamento linguístico é nosso comportamento.

Esquema I:

Retórica, linguagem e emoção

Persona (arte), caracterização dialógica: impacto da altura de voz, tom, pausas, segurança, gestualidade, léxico.

Palavrões e AGRESSIVIDADE: palavras e seu impacto emocional, palavras que estimulam comportamentos, palavras compondo um Discurso Agressivo, adequação lexical.

http://www.youtube.com/watch?v=5E0hHjwyr0s&NR=1. Felipe Neto
http://www.youtube.com/watch?v=1BcdY_wSklo&feature=related Steven Pinker

Comentários

  1. A palavra, em sua essência, é a expressão de um pensamento. Um meio de tornar público as idéias. Um xingamento, agressão, tem a sua origem no pensamento, e pode ser exteriorizado de diversas formas: escrita, verbal, física, etc. Portanto, o problema não é usar as palavras, e sim o pensamento que é recorrente nessa geração, a mudança e distorção de alguns valores fundamentais que estão se perdendo.

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  2. Compreendo teu ponto, Felipe: um xingamento, uma agressão, enfim, tem a sua origem no pensamento.
    Há a análise dos atos e da origem dos atos.
    Se pensarmos do lado do ouvinte, o xingamento é algo bastante concreto: um ato de fala, um uso de expressões (que foi articulado por um alguém com intenções e crenças).
    Nesse caso, o 'problema' entre os falantes seria decorrente de um uso de palavras. Muitas discussões iniciam assim: por atos não intencionais. Para mudarmos nossos atos (de fala, inclusive), iniciamos por uma mudança em nossos pensamentos/crenças, tudo bem. Nada nos impede, porém, de começarmos por uma postura linguística.
    O 'problema' pode ser visto como um comportamento decorrente de uma postura, sendo que a questão que pontuo é justamente a do comportamento (linguístico) e a do papel das palavras no discurso, de sua força expressiva.
    Muitas vezes dissociamos pensamento, linguagem e corpo, o que não parece relevante ao refletirmos sobre fenômenos como atos agressivos de fala.

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  3. Esta matéria é deveras interessante para termos uma visão geral acerca do assunto: http://super.abril.com.br/ciencia/ciencia-palavrao-447405.shtml.

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