FONOLOGIA E MORFOLOGIA: INTERFACE

No intento de contribuir com as nossas discussões acerca de objetos teorizáveis sobre lingua(gem), um exercício na interface Fonologia/Morfologia. O que se segue, é produto de aulas com a Prof. Leda Bisol (PUCRS).

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Neste exercício, apresentam-se noções centrais da Fonologia Lexical, via regras e princípios, na descrição de fenômenos linguísticos na interface Fonologia/Morfologia. Dado o item lexical tarde, tem-se a derivação tardio e tardiamente (tarde > tardio > tardiamente). Desse modo, trabalhamos com três itens lexicais diferentes, dois oriundos de processo de formação de palavras via derivação sufixal (tardio e tardiamente), e uma palavra primitiva formada de raiz + vogal temática nominal (tard-e).

Os vocábulos contemplam ambiente de aplicação de regras morfológicas (entrada de morfemas), e, como princípio básico da Fonologia Lexical, temos que processos morfológicos organizam-se em níveis, e, em cada nível, aplica-se um conjunto de regras fonológicas. Dessa maneira, para que uma nova palavra seja formada, é preciso eliminar todos os colchetes existentes nos diversos níveis, onde cada colchete delimita as relações entre as regras morfológicas atuantes naquele nível. Como resultado, a teoria prevê que há uma série de regras fonológicas que podem ser reaplicadas ao resultado de cada regra de formação de palavras, sendo tais regras denominadas cíclicas. O postulado central é de que regras cíclicas só se aplicam no componente lexical, em ambientes derivados, sendo tal princípio denominado de Princípio do Ciclo Estrito. Regras aplicadas após a formação do item lexical, na relação entre palavras, são consideradas pós-lexicais.

No nível lexical, podem também ocorrer regras pós-cíclicas, que são aplicadas de uma só vez e somente no último nível, em fronteira de palavra, sem interação com a morfologia. Em observância ao domínio do Ciclo Estrito, tem-se o bloqueio, isto é, se não há ambiente derivado, não há aplicação de regras cíclicas. Ainda como princípio que rege o componente lexical, temos o Princípio de Preservação de Estrutura, o qual determina restrições às derivações, de modo a proibir estruturas não pertencentes ao sistema; assim, tal princípio prevê que, no nível lexical, regras fonológicas operam de modo a observar somente elementos contrastivos, em uma tendência preservadora de não criar alofones. Outro princípio fundamental previsto no modelo, é o denominado Elsewhere Condition, acionado no contexto de regras disjuntivas, ou seja, em que há concorrência entre duas regras, postulando a aplicação da regra mais complexa sobre a menos complexa. No domínio do Ciclo Estrito, pode haver a aplicação de regras de implementação ou de preenchimento de estrutura bem como regras de mudança de estrutura (elemento ou traço). Por fim, está previsto que regras lexicais apresentam exceções e precedem regras pós-lexicais.

Delineou-se, em linhas gerais, o modelo que rege a descrição/análise das derivações tratadas neste exercício.

tarde’ > ‘tardio’ > ‘tardiamente’

1. Nível da raiz

 [tard+e]
 [tar.dE]                 silabação
 [tár.dE]                 acentuação
 [tár.dE]                 contexto para alçamento

 tár.dE


[‘tar.dE]  - palavra + o

Dentro do componente lexical, temos o nível da raiz e o nível da palavra. No primeiro nível, nível da raiz, aplicam-se regras de preenchimento, a saber, silabação e acentuação, que não são regras cíclicas, isto é, não estão sujeitas ao ciclo, sendo processos implementadores de caráter universal. Já a regra de neutralização, no caso entre vogais médias e altas em posição final (perda de um traço vocálico quando a V se encontra em posição de sílaba final fraca) é entendida no PB como uma regra lexical pós-cíclica (BISOL; HORA, 1993).

2. Nível da palavra

[tardE+io]

[tardEio]            apagamento de colchete; adjunção
[tardio]              apag. da Vogal Temática
[tar.di.o]            silabação
[tar.’di.o]           acentuação
                                                        
[tar.’di.w]           harmonia; ditongação
[tar.’diw]            ressilabação
[tar.dƷiw]           palatalização
tar.’dƷiw

No nível da palavra, temos um espraiamento do traço [+alto], e, na sequência, em relação ao peso da vogal, aplica-se a ressilabação, onde o hiato transforma-se em ditongo decrescente. Fragoso (2009) salienta que tanto a neutralização como a harmonia vocálica são regras cujo domínio de aplicação é apenas a palavra fonológica; desse modo, se não há interação com a morfologia, trata-se de uma regra lexical pós-cíclica. Diferentemente, a palatalização da oclusiva dental seguida de vogal alta é uma regra pós-lexical, já que cria alofones (variáveis no componente fonológico). As regras pós-lexicais não estão mais submissas aos princípios do ciclo.

3. A palatalização é pós-lexical

[tardio+mente]

[tardiomeNte]                  apag. de colchete
[tardiameNte]                  o > a/-mente
[tar.di.a.men.te]               sil. / nasal – cor/onset
[tar.di.a.’men. te]             acentuação

[tar.di.a.’men.ti]               neutralização
[tar.dƷi.a.’men.ʧi]         palatalização
tar.dƷi.a.’men.ʧi

Desse modo, exemplificou-se a interação de processos na interface Fonologia/Morfologia, via Fonologia Lexical, de modo que o léxico se define com o apagamento dos colchetes, ao final de cada nível.


Referências

BISOL, Leda; HORA, Dermeval da. Palatalização da oclusiva dental e fonologia lexical. (1993).

FRAGOSO, Carina. Sobre a universalidade do grupo clítico como domínio de regras fonológicas e seu status na Hierarquia Prosódica. Letrônica, v. 2, n., p. 101-113, dezembro 2009.

obs: texto adaptado de texto entregue para disciplina no Mestrado.

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