EUREKA! LINGUAGEM, LÓGICA E CIÊNCIA


A própria teoria é uma questão técnica. Na aula de ontem, o professor JCampos falava sobre Retórica e Pragmática, desconstruindo argumentos criados dentro da história da disciplina linguística. Muitos erros vieram do uso de termos de uma área e pressupostos de outra; ou, segundo a terminologia da Metateoria das Interfaces (COSTA, 2007)uma dada perspectiva se valeria de pressupostos de uma interface distinta, cuja ponte aparente seria a terminológica, uma vez que o conceito, que é o nome dentro de uma arquitetura conceitual, seria, assim, diverso.

Pois bem, a Retórica da Linguística me interessa sobremaneira nesse jogo. A Retórica Científica, dentro da qual aquela se apresenta, é algo muito interessante de se pensar, pois, com ela, tomam forma questões da ordem do (meta)teórico. Um conceito necessita de um nome, e, neste contexto, a relação do nome com a arquitetura argumentativa é uma relação de interdependência.

A relação do nome com a coisa, é uma questão que ultrapassa a ordem da teoria linguística e chega ao campo da teoria filosófica, mas, nesse caminho, conceitos e terminologias guiam o pensamento arquitetado.

Comecemos por casos clássicos da relação do nome com fatos e situações relacionadas à ciência. Eureka! é uma expressão exclamativa relacionada ao insight intelectual (“Encontrei!”, atribuída a Arquimedes), bem como Epifania; as duas expressões fazem referência a uma dado estado de clareza de pensamento.


Imagem: histedbr.fae.unicamp.br


Dentro da Linguística, quando Michel Bréal cunhou o nome Semântica, ele estabeleceu uma ponte de convergência entre os fatos da ordem do filosófico e os da ordem do linguístico - parece pouco em termos teóricos, mas, em termos metateóricos, é um passo deveras importante, pois tal evento dirigiu o processo teórico atrelado à disciplina linguística que se seguiu. Outro fato interessante na área - que exemplifica o de muitas outras – pode ser ilustrado com o caso da terminologia peircena. Peirce, segundo alguns autores, quis trocar o nome de suas classes, por não achar que representavam bem a arquitetura conceitual a elas associada; porém, como o nome já havia se disseminado por entre os teóricos, era  mais saudável em termos teóricos deixar como estava, mesmo a contra-gosto.

A questão central pode ser analisada de modo bastante claro e simples. A terminologia vira rótulo, e este, como analisam as teorias cognitivistas da metáfora, são muito persuasivos. Uma vez havendo um rótulo, há o processo de rotulagem. Não poderei me furtar à utilização de caricaturas, já que são processos da ordem da iconicidade e que tanto agradam nossa percepção! Vamos lá:

                                                   Imagem: wwwfabishimabukuro.blogspot.com


Criou-se a imagem de que os pesquisadores que trabalham com sintaxe são chomskianos, e que estes ficam com um cérebro teórico na mão; os estruturalistas, por sua vez, são saussureanos, e estes ficam como um prédio teórico na mão, a analisar suas vigas e alicerces; os funcionalistas, por seu turno, ficam com uma engrenagem de funções na mão, entre a linguística e a literatura, entre a forma e função, e melhor, a analisar o processo que se desencadeia por essa engrenagem. 


O que se segue, é que há inúmeras complexidades que são omitidas quando se usa o rótulo sem fazer jus ao produto. Ao alegar que alguém é inatista, portanto não-behaviorista, parece que se está dizendo que o inatista não supõe a existência de mecanismos de condicionamento do input sobre o output. O rótulo, dentro do processo de rotulagem teórica (i.e. cunhagem e leitura de rótulos), traz em si uma série de problemas teóricos e metateóricos. Outro exemplo são conceitos associados a uma longa tradição, como: mente, alma, corpo, consciência, linguagem. Tanto pode ser visto assim que uma das questões mais complexas nos cursos são os esclarecimentos quanto aos termos mente-cérebro, infinitude e linguagem (enquanto conhecimento/dispositivo/faculdade da linguagem), em Chomsky. 


Esse problema obviamente não é inerente à área, mas traz certos problemas próprios a esta. Na área da Física, por exemplo, um amigo, Martins (2010), fez uma descrição do processo de transferência de ideias do senso-comum - no que se refere a conceitos disseminados - para a formação do conhecimento conceitual propriamente dito; o que dificulta, muitas vezes, a interpretação deste


Em certos casos, temos uma interpretação sobre uma terminologia, mas o conceito associado ao termo, dentro de uma corrente, é outro. Assim, pode acontecer de um engenheiro elétrico dizer que houve transmissão de calor entre duas matérias, e um físico teórico se revoltar pelo 'mau-uso da expressão': "como pode haver transmissão de calor?!". O que acontece é que os dois estão pensando em noções diferentes e usando a mesma terminologia; para um, o físico teórico, calor está relacionado à transferência de energia, para o outro, não. Ambos estão retratando uma perspectiva sobre um objeto teórico diverso, pois a arquitetura conceitual é diversa, e é essa que definirá o objeto teórico. Desse modo, a própria ciência está ancorada na arquitetura conceitual, e, se o prédio está sob bases falsas, ele tende a ruir, pelas vigas frágeis e infiltrações não previstas; valendo-me de outra metáfora!

Imagem: educ.fc.ul.pt

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