Pensando em linguagens e suas facetas...



Cisne Negro (Black Swan, 2010) é um filme essencialmente Teórico, e, muito em consequência disso, extremamente bem executado - tal qual se passa com sua personagem Cisne Branco. Muitos argumentam ser esse um filme 'Poético', ‘Passional’, ‘Subjetivo’; ao que julgo que é um filme ‘Poético e Subjetivo’ mais pela temática, que adentra a Psiqué humana, e 'Passional' pela extrema técnica, pois é um filme onde a própria técnica é ‘Passional’, na utilização de movimentos de câmera que acompanham quase que freneticamente 'a protagonista', na quase inexistência de diálogos, nas poucas falas. A temática é Teórica, uma vez que se apresenta como uma simbologia ilustrativa da teoria psicanalítica, com riqueza de detalhes. É, através da análise técnica, uma obra “desmontável” do início ao fim, tal qual um axioma (para detalhes teóricos da relação entre o filme e a teoria freudiana: http://efemeraspartidas.wordpress.com/http://vhtriskaensaios.blogspot.com/2011/02/reflexoes-sobre-o-eu-em-psicanalise.html). Nesse contexto, Cisne Negro é um belo exemplo de produção cinematográfica que se realiza em uma temática técnica, cujo produto é bem-sucedido em termos de comunicação em  linguagem artística
Mas e a Metáfora da Arte? E a identificação quase-automática com a personagem que leva o nome da obra?
Mais uma vez, o roteiro e a cinematografia conseguiram maximizar a relevância da narrativa, pois se construiu uma história que também é metafórica, no sentido de retratar uma leitura do fazer artístico como algo intrínseco à própria Arte – a perfeição. A identificação com o filme  - para além daqueles que dominam a técnica que estrutura a obra  - se dá pois o próprio tema não só faz parte da Memória Cultural da vida de grande parte dos espectadores, como também explora, tal qual uma teoria psicanalítica, um construto de ‘aspectos da identidade humana', resultando, assim, num olhar artístico aprofundado em uma reflexão teórica. Vale ainda dizer que a atriz Natalie Portman, mesmo que interpretando com o corpo inteiro, guia o espectador pelo olhar (a propósito, a expressão facial e  - sobretudo - o olhar são índices primários da intencionalidade e da emoção: http://www.nytimes.com/2011/01/25/science/25smile.html?_r=1).


A Origem (Inception, 2010), por sua vez e de modo semelhante ao exposto, é extremamente Teórico-Técnico (http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/a-ciencia-por-tras-do-filme-a-origem). 
É tanto mais arriscado trabalhar com um tema de 'fácil identificação’ com o público, quanto mais confortante, justamente pelo fato de que a compressão é – no possível – mais possível, dada a relevância dos fatos comunicativos em jogo. Cisne Negro, por tal perspectiva, no entanto, não deixa de ser – como mencionado e tal qual foi apresentada – uma obra igualmente arriscada e desafiadora em termos de transposição de linguagem (criação). A Origem, nesse contexto, apresenta um duplo desafio, o da própria criação artística irreverente (tal qual Cisne Negro), acrescida do fato de que trabalha com um tema que – mesmo não sendo inédito na grande mídia – não tem a tradição da teoria freudiana – mesmo que esta também apareça na construção da narrativa, não é ela o seu foco. É mais complexo, assim, construir uma narrativa técnica quando a temática teórica em questão é ‘menos palpável aos olhos alheios’. Além disso, é uma ficção futurista, criando, desse modo, para além do que se tem cientificamente disponível. Nesse ponto, a obra corre mais riscos, mas, de outra parte, traz mais benefícios informacionais de um certo tipo – há um ganho cognitivo em termos informativos, habilidosamente jogando com o conhecido e o criado.


O Discurso do Rei (The King’s Speech, 2010) gera as mesmas questões. Traz na sua narrativa uma questão Técnica (clínica) – o tratamento da gagueira –, focalizando, principalmente, na motivação de fatores psicoafetivos. Em grande parte da obra, a análise de fatores emocionais ganha espaço, deixando em segundo plano fatores de ordem linguístico-fonológica. Reconhece-se que o filme não poderia explorar descobertas científicas inexistentes naquele momento histórico, de modo que, também em consequência da fidelidade histórica, questões emocionais se destacam na trama tão bem interpretada. A temática, aliás, é bastante interessante:
Há muitas pesquisas de interface sobre a gagueira, uma vez que suas causas ainda não são totalmente conhecidas e relacionam fatores de diferentes ordens, conforme expõe Limongi:
"Ao longo dos anos, estudiosos propuseram algumas teorias quanto à sua etiologia. A gagueira seria:

1- O resultado de um conflito psiconeurótico; ou
2- Um problema neurológico; ou
3- Um comportamento adquirido.

Porém, sabe-se que nem todo conflito psicológico produz gagueira; como então justificar seu aparecimento? Por outro lado, a falta de especialização do hemisfério esquerdo para a linguagem ou a hiperativação do hemisfério direito, não dominante para linguagem, têm sido razoavelmente aceitas como possíveis causas da gagueira, mas evidentemente, só em alguns casos. Como explicar a gagueira quando não estão presentes estas ou outras condições? Ou ainda, se foi um comportamento aprendido, por que este ocorreu?" (http://www.abragagueira.org.br/causas_forum.asp?id=8).
A fonoaudióloga  assume, então, uma proposta que deixa de lado as disjunções exclusivas (ou X ou Y, sendo que, se X não Y, e vice-versa) através de uma perspectiva que dê conta das complexidades observadas:
"Minha compreensão da etiologia da gagueira está fundamentada na teoria psicobiológica de Engel (1975) que reconhece a existência de fatores predisponentes (de origem genética e/ou neurológica), de fatores precipitantes (predominantemente ambientais) e fatores perpetuantes (incluindo medo e ansiedade) para o seu aparecimento e manutenção.
Assim entendida, pressupõe-se primordialmente uma causa orgânica (na maioria dos casos não detectada, não conhecida, que apareceria apenas como uma predisposição), seguida de um fator de origem psicológica que precipitaria o processo, que se perpetuaria num círculo vicioso de tensão muscular, medo e ansiedade" (http://www.abragagueira.org.br/causas_forum.asp?id=8 - nesse site, encontra-se uma compilação de material de pesquisa sobre as causas da gagueira).
Segundo o site do Instituto Brasileiro de Fluência (http://www.gagueira.org.br/conteudo.asp?id_conteudo=32), a gagueira "(entendida aqui como uma dificuldade dos núcleos da base em sinalizar o término de um som ou sílaba da fala) pode ser causada por herança genética (55% dos casos) e/ou por lesão cerebral (45% dos casos)". 
Como uma área técnica, essa leitura está ancorada em uma dada perspectica teórica, e o campo teórico não é consensual, pois, na maioria dos casos, pressupostos diferentes embasam as diferentes linhas de pesquisa. No mesmo site, aos lermos sobre a genética da gagueira, encontramos a seguinte abordagem:
"O que é transmitido geneticamente é a tendência para gaguejar, mas não a gagueira em si. É imprescindível deixar claro que o fato de apresentar herança genética para a gagueira não implica, necessariamente, manifestá-la. A manifestação da gagueira sempre dependerá da interação com o ambiente" (http://www.gagueira.org.br/conteudo.asp?id_conteudo=33).
E mais adiante:

"Por outro lado, a genética não parece influenciar de modo marcante na transmissão da gravidade da gagueira. Ou seja, não é porque um membro da família apresenta uma gagueira grave que um outro membro também irá apresentar. Desta forma, a gravidade da gagueira é mais influenciada por outros fatores (linguísticos, emocionais e/ou sociais)" (http://www.gagueira.org.br/conteudo.asp?id_conteudo=33).
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No atual-estado-da-arte, existem diferentes tipos de tratamento para o distúrbio, variando caso-a-caso, e tal qual expresso na mensagem de Ignês Maia Ribeiro de que "a clínica se dá na união da ciência e da sensibilidade", a pesquisa tecnológica também não pode apresenta-se diferente. Há um aparelho chamado SpeechEasy, projetado através de uma compreensão muito simples:
"Muitas pessoas que gaguejam referem que são fluentes quando falam ou leem simultaneamente com outras pessoas. O SpeechEasy procura simular exatamente esta situação. Com o aparelho, a pessoa vai ouvir sua própria voz com outro tom (mais fino ou mais grosso) e com um leve atraso. Isso faz com que o cérebro pense que a pessoa está falando em uníssono com outra." (http://www.gagueira.org.br/conteudo.asp?id_conteudo=157).
Infelizmente, eis os fatos:
  1. Quanto custa o SpeechEasy?
    Atualmente, o valor do aparelho é de R$ 9.900,00. Este valor pode ser parcelado em 10 vezes diretamente com a Microsom ou em 24 vezes através de financiamento bancário.
  2. Por que o SpeechEasy é tão caro?
    Existem diversos fatores que contribuem para o alto preço do aparelho. Primeiro, a tecnologia, porque ele utiliza um microchip. Segundo, os impostos referentes à importação do aparelho, que é fabricado nos Estados Unidos.
  3. O SUS distribui o SpeechEasy?
    Ainda não, mas a empresa Microsom está em contato com o Ministério da Saúde para que o aparelho seja disponibilizado pelo SUS.
  4. O SpeechEasy é aprovado pelo órgão responsável no Ministério da Saúde?
    Sim, ele é devidamente registrado pela ANVISA.       (http://www.gagueira.org.br/conteudo.asp?id_conteudo=157)
Nesse momento, em que o ministro da Fazenda está mexendo na carga tributária do país, não é viável um projeto de taxação reduzida para a importação de tecnologia relativa à saúde (ainda mais em relação à demanda com concorrência interna inexistente)?



A Rede Social (The Social Network, 2010) é também um filme extremamente técnico e bem construído. Sua temática, no entanto, não é de ‘fácil empatia’ geral – mesmo explorando questões da ordem do ‘emocional comum’ – trata de um universo um tanto restrito ao ideal de sucesso profissional norte-americano. Mesmo que esse tipo de ‘estética comportamental’ esteja cada vez mais se disseminando por entre contextos culturais diversos, o filme ainda sustenta restrições por parte de uma parcela considerável da audiência. Considero válido um paralelo entre essa obra e o documentário Senna (2010), pois ambos trabalham com questões semelhantes da ordem do comportamental: competição e análise do meio e ideal de superação (empreendimento/vitória) dos próprios (e de outros) limites (por falar em comparação, esta me parece bem interessante: http://blig.ig.com.br/cinemaetudoissoblog/2010/10/11/cidadao-kane-e-the-social-network-a-igualdade-entre-o-classico-e-o-moderno/). Como trata-se de uma temática mais pragmática - no sentido amplo -, ela foi inteligentemente explorada, eu diria, em termos da 'lógica do racional': foi objetiva, prática e coesa. É um filme de falas, repleto de implícitos, de jogos de intencionalidade e de comunicação rápida, tal qual uma rede social. Há, assim, uma acertada tensão mimética forma-conteúdo.


127 horas (127 Hours, 2010) é um outro exemplo de peça bem produzida - e, tal qual A Rede Social, apresenta roteiro inspirado em  prévio enredo biográfico (livro). Ela converge, em toda a sua concepção, para uma proposição, uma tese. Desde o modo de captação das imagens, da escolha do perfil do ator e da caracterização da personagem, das primeiras imagens do filme, dos objetos-foco das cenas iniciais, do contraste entre grandes planos da imensidão do deserto e planos fechados registrados por  uma 'câmera caseira',  culminando com o clímax da narrativa -  tida como a grande responsável pela angústia que dominou parcela da audiência - até o desfecho, que finaliza a narrativa mas não a história, uma vez que é parte essencial do argumento o 'final inacabado' das ações do protagonista. O enredo, desse modo, também se propõe enquanto episódio simbólico da fuga da condição humana, apresentada em toda sua fragilidade e em sua trajetória ontogênica grupal. Quanto mais o Homem foge da própria condição, mais a encontra -, argumenta-se.

Para finalizar esses apontamentos, nada mais relevante do que uma pertinente reflexão de um dos maiores Mestres da Arte: Não creio que o espectador conheça as suas necessidades. Cheguei a esta conclusão analisando minha carreira. Até habituar o público ao meu personagem de todas as comédias, encontrei-me num complexo de dificuldades (Chaplin por ele mesmo, p. 75). 

Fonte: desenvolvimentoemquestao.wordpress.com

Comentários

  1. Não vi todos os filmes. Cisne Negro me decepcionou um pouco, fui esperando bem mais, mas com certeza a exploração de recursos técnicos e a interpretação de Natalie Portman foram excepcionais, vicerais na verdade, eles te desconcertam. Acho que eu não tivesse lido tantas críticas, quase um mês antes de sair no Brasil, o impacto teria sido forte.
    A Origem foi estranho o que me levou ate o cinema, pq eu não sabia o enredo, so sabia que tinha o Leonardo d Caprio. A atuação excelente, os efeitos sensacionais, outro filme que, na minha opinião, só perdeu para Avatar porque não foi o primeiro filme para adultos em 3D. Muita metalinguagem, adoro, e muitos diálogos com diferentes áreas de conhecimento.
    Não vi O Discurso do Rei, mas me chama atenção pessoas que cantando não gaguejam, como o ganhador de Ídolos em 2009.

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  2. É inevitável que uma frase em particular do texto me chame total atenção: "a clínica se dá na união da ciência e da sensibilidade". Marquei ela na primeira leitura sem saber o que viria adiante, mas já prevendo que seria minha preferida.
    Vou precisar de mais alguns anos de imersão no contexto linguístico para me despir das objetividades clínicas e alcançar teus textos como uma leitura fluente, Stephane.
    Mas como fonoaudióloga, não consigo deixar de te ver refletida nas tuas ponderações... Uma mente rica em conteúdo, relações, interfaces. O mundo está indo (eu vou com o mundo), tu já chegou lá e volta com reflexões sobre as novidades!

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