LINGUAGEM CORPORAL
O PROCESSO INFERENCIAL EM ATLETAS

Correndo pelas ruas em busca de um melhor condicionamento físico ou apenas de um pouco de ar não-virtual, meu irmão salientava minha falta de foco. Ele, então, indicou alguns exercícios desenvolvidos no treinamento de vôlei, sobre os quais me interessei bastante. Em certa medida, tendi a criticá-los dada a simplicidade da exigência cognitiva para com os atletas.

E a conversa se dirigiu para a seguinte relação:

V: “O caso é que treinaremos o foco”.

S: “A proposta inicial é a de que a nossa concentração deve se dirigir para um único foco visual. Caso consigamos fazer isso (que já é complexo), tivemos sucesso no desafio, certo? Mas meu cérebro já está acostumado a ter o foco em diferentes objetos; assim, por que não utilizarmos tal capacidade para ampliar o desafio dos atletas? A exemplo, se nós estamos correndo, eu deveria me fixar nos carros a minha esquerda e contar o número de veículos que passam por mim ao mesmo tempo em que olho para frente. O atleta, então, se fixaria em vários pontos em movimento e faria cálculos sobre eles”.


V: “Certo. Porém, o trabalho de foco dos atletas não se restringe a apenas um ponto, mas em eliminar sons e ações exteriores que atrapalham o desenvolvimento ou o rendimento do atleta dentro de quadra. Para que os atletas adquiram ou desenvolvam essa capacidade, é exigido indireta ou diretamente, nos treinos, que nós nos foquemos somente nas instruções do técnico e no processo de execução dos exercícios. Por isso, os treinos são feitos em quadras próximas umas das outras, para que nós, atletas, nos acostumemos com o barulho do ambiente e das pessoas a nossa volta”.


S: “Entendo. Nada impede, assim, de eu começar educando minha concentração em um único foco, mas não posso restringir o esforço cognitivo, e sim ampliar o número de leitura de ações conscientes. Profissionais da segurança, por exemplo, são treinados para observar vários objetos no foco de percepção, ampliando-o. Alguns sabem dizer, com certa precisão, a quantidade aproximada de pessoas que estavam no ambiente, quem estava em posição suspeita, o tipo de roupa que usavam, etc.
“Os atletas, por sua vez, realizam um cálculo inferencial, em termos de percepção do corpo, muito complexo; pensar sobre ele, isto é, fazer um metacálculo, é algo que exige um esforço maior. Os atletas que conseguem fazer esse processo, me parece que se destacam.
“Assim, o atleta de vôlei, por exemplo, ao observar o adversário sacando, infere a trajetória da bola, ao mesmo tempo em que lê (pressupõe/infere) a posição dos companheiros e a posição dos adversários (isso se dá em uma sucessão muito rápida de cálculos e observações). O atleta que faz isso com excelência, certamente tem vantagem sobre os demais.
“Exemplos dentro do vôlei: Ricardinho (levantador), um dos maiores jogadores da história do voleibol, contribuiu com este esporte agregando um novo ritmo de jogo, dada a sua rapidez de leitura e execução de ações válidas (esse não é o único aspecto em jogo, mas me parece um aspecto fundamental). O Giba (ponta) e a Paula Pequeno (ponta) também são reconhecidamente fora de série, sobretudo pela rapidez com que leem o campo adversário e a trajetória da bola. Atualmente, a jogadora Natália (oposto/saída de rede) (Seleção Brasileira/ Osasco) é reconhecida pela potência no ataque e por sua técnica; dessa técnica, destaco a leitura precisa do campo adversário, tal qual Giba faz, em jogadas de inteligência e habilidade”.


V: “De fato. Principalmente no vôlei, os processos de raciocínio e de observação inferencial são indispensáveis na grande maioria das ações executadas, pois nós, atletas, devemos pressupor ou inferir o movimento do corpo do adversário e a trajetória inicial da bola para, então, tomarmos um iniciativa.
“A iniciativa tomada deve ser feita em uma fração de segundo, pois a velocidade da bola na grande maioria das vezes é muito alta; então, observamos principalmente o movimento inicial do adversário na hora do saque para que possamos ter uma melhor definição da trajetória da bola e, assim, executarmos o movimento de defesa, que por sua vez deve ser feito sempre com o corpo em posição frontal virado em direção à trajetória da bola. Isso é importante, pois, muitas vezes, o atleta não consegue ler o percurso da bola e acaba a defendendo com o corpo na diagonal, o que implica que a bola vá para várias direções e não no ponto que o jogador pretende passá-la.
“Outra posição que exige leitura atenta do adversário é o jogador de meio de rede, que tem por função juntar com os jogadores das extremidades fechando o bloqueio e diminuindo o campo de ataque do adversário.
“Acontece que, para juntar com os seus colegas, ele deve acompanhar a trajetória da bola para, então, se deslocar; isso não é uma tarefa fácil, pois o levantador do outro lado da quadra pode enganar o bloqueio do adversário fazendo uma inversão: indicando que irá levantar para frente, mas acaba levantando para trás, sem olhar. Essa jogada confunde a leitura do jogador de meio, pois ele não obteve informações que o ajudaram a ler este movimento e acaba se confundindo: vai para um lado enquanto a bola vai para o outro.
“Após a bola ser levantada para o lado oposto do esperado, o jogador de meio tenta correr para juntar com o jogador da extremidade, mas, como a bola é levantada muito rápido, não há tempo para chegar (a expressão usada no vôlei para esse fato é: o bloqueio chegou quebrado na ponta/saída), fazendo com que o adversário obtenha uma brecha para executar o movimento de ataque bem sucedido”.


S: “Muito interessante. Desde a categoria de base, então, é pertinente um treinamento de percepção e inferência, tornando mais explícito pontos relevantes do processamento cognitivo dos atletas, aprimorando o que já fazem com excelência”.


J, que escutou a conversa, disse: “Tentativa válida, o jogo é inferência o tempo todo”.


To be continued..


V: Victor Eduardo R. Dias / J: Jorge Campos da Costa

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