III
O Clandestino estava sem rumo, quase que numa passeata de eus em torno de si, quando um acontecimento o expulsa para a realidade. Percebeu um aglomerado de pessoas em uma espécie de feira. O que chamou a sua atenção não dizia respeito nem à junção de um significativo número de pessoas, tampouco aos objetos vislumbrados. Elas estavam felizes, qualquer um diria isso ao vê-las. Nem sequer havia reparado nelas, somente nos sorrisos espontâneos. O acontecimento que o havia trazido de volta era a música que provinha do rádio de um velho. Este estava escorado em uma das bancas e já escutava com dificuldade. O Clandestino ouvira aquela música um sem-número de vezes, era a mesma música e era também o mesmo estado de coisas que ela conduzia. E ele admirava aquela obra sem aparente razão. Ela não o lembrava de nada nem de ninguém, até porque aquela música levava-o a se libertar de qualquer memória. Ele gostava dela porque ela era o que era, e por ser assim que se fazia pura. Tudo que ali estava contido trazia ao Clandestino uma sensação única, lívida. A composição era demasiadamente simples, indigna de qualquer espanto à alma. Mas assim acontecia. Assim estava concretizado mais uma vez. E ele parou e forçou o ouvido também, algo quase irracional, já que ele sabia cada nota que se seguiria e cada palavra pronunciada. Mas ele fazia força para ouvir, junto ao velho. Agora o velho já não existia, pois ele era o velho ao lado do rádio. Havia uma única frase a ser ouvida, a última frase não-dita, se é que algo ainda não fora dito. O velho da banca espraguejou contra tamanha porcaria, quinquilharia, coisa sem utilidade, nem mesmo uma música ele conseguia passar. Deu-se que o velho vendeu o rádio a uma das pessoas sem nome e sumiu.

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