Não é difícil imaginar a boa aceitação da obra Stella Manhattan pela crítica e pelo público em geral, quando de sua publicação em 1985. Também é compreensível o amplo interesse acadêmico tanto por parte de estudiosos brasileiros como estrangeiros, uma vez que o livro propicia um leque imenso de temas e aspectos relevantes a um aprofundamento teórico.
Creio que a boa recepção de Stella Manhattan deva-se, primordialmente, à qualidade literária da obra – à sua estética, à pluralidade de temas e de pontos de vista abordados, à irreverência na forma, à ousadia da prosa.
A publicação do livro nos anos 90 é, neste caso, um dado importante para uma melhor conexão entre os eventos do enredo e os fatos que cercavam o autor. Como citado pela editora, é desde a capa que tomamos contato com o tom da obra, este intimamente relacionado com os acontecimentos sócio-culturais do período.
Por ter os anos 60/70 como pano de fundo da narrativa, o autor propicia uma performance da vida política do Brasil no tempo da ditadura militar. Através de uma gama de personagens fictícios e de suas inter-relações, o leitor consegue estabelecer maior proximidade com um dos períodos mais conturbados, delicados e polêmicos vividos pela sociedade brasileira.
Os sentimentos de angústia, dor, medo e opressão que permeiam as narrativas desse momento histórico entram em cena no romance, como atmosfera em torno dos personagens.
Já no princípio do livro, percebemos a dualidade do protagonista da trama – Eduardo Costa e Silva –, que é apresentado por um narrador em 3ª pessoa, que revela ao leitor o alter ego do personagem: Stella. O começo do jogo entre aparência e realidade é lançado e adquire outros elementos, como: as três Marias – em seus sentimentos de inveja e ciúme não abertamente demonstrados –; o coronel Vianna e sua dupla personalidade – ora homem casado e respeitado, ora a Viúva Negra e sua tara sado-masoquista –; o professor Aníbal e sua esposa – a qual o marido parece detestar ou pelo menos nutrir uma indiferença acentuada –; a relação entre Paco, Carlinhos, Marcelo e Ricky – misturando aparências, frustrações, opressão e libertação. Paco, o grande amigo de Eduardo, o vê chorar e o consola, mesmo sem saber o real motivo daquele pranto; Ricky personifica o amor e o desejo de Stella, e Marcelo e Carlinhos representam a relação política entre Eduardo e movimentos até a ele desconhecidos.
Com o planejamento do golpe contra o adido militar, Marcelo e outros personagens movimentam-se na trama de tal maneira que diversos acontecimentos, aparentemente independentes, interligam-se, a fim de estabelecer, de forma progressiva, um conjunto de conexões e uma exposição mais clara e consistente acerca dos fatos narrados.
Com base nessa multiplicidade de personagens e eventos e nessa construção permeada pela introspecção, nasce um livro.
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Ps1: costumo adotar o termo ‘personagem’ como substantivo feminino, porém, nesse texto, a flexão masculina evitou ambiguidades.
Ps2: boa leitura a todos!
Ps3: sugestões de obras são sempre bem-vindas!
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