A Origem pertence àqueles peças fílmicas que afetam a estrutura cognitiva de uma geração. Obra de interface forma/conteúdo muito bem elaborada.
A Origem (Inception, 2010) é um filme de Ficção Científica (Sci-Fi) que vale a pena comentar (para quem interessar possa: http://www.imdb.com/title/tt1375666/synopsis, http://www.imdb.com/title/tt1375666/plotsummary).
O que mais instigou minha admiração pelo filme, cujo diretor e roteirista (Chris Nolan) já fez história em boas histórias - Batman Begins (2005), The Prestige (2006), The Dark Knight (2008) -, é a magistral relação entre forma e conteúdo. O filme exige muito do espectador e isso é excelente, pois as consequências podem ser maiores do que comumente se expressa.
A narrativa capta o espectador não apenas por meio de um apelo visual bem construído (elementos como: planos variados - de efeito intimista - valorizados em uma bela edição, uso de recursos de computação gráfica na construção de ambientes, atuações expressivas de um elenco certeiro), mas também, e sobretudo, pela história engenhosamente apresentada, através de uma enredo que mistura elementos da Psicologia Cognitiva, da Lógica, da Engenharia, da Arquitetura, entre outros.
Ao espectador, as relações da trama são expostas principalmente através do diálogo entre as personagens, em especial entre Dom Cobb (Leonardo DiCaprio) e Ariadne (Ellen Page). A questão é que um filme neste estilo, que exige grande atenção aos diálogos, à estrutura argumentativa, não é a regra do cinema norte-americano (para não dizer Ocidental).
A estrutura cognitiva do espectador dos filmes dessa indústria não está formatado para o esforço cognitivo exigido por uma peça em tais moldes, que parece exigir um esforço extra, tal qual o exigido em filmes da saga Matrix (que quebrou paradigmas em sua estreia).
O que se segue é que uma relação forma e conteúdo dessa dimensão abre espaço para filmes mais bem elaborados e mais exigentes em termos de processamento por parte da audiência, e isso representa o gatilho para um processo de mudança de paradigmas cognitivos.
Isso não é novidade na Arte. A própria apresentação das imagens em movimento em uns dos primeiros filmes com exibição pública - cujo exemplo mais caricato é o ocorrido na exibição de L'Arrivée d'un train en gare de la Ciotat (Chegada de um Comboio à Estação da Ciotat), dos irmãos Lumière, em que as pessoas teriam corrido por achar que o trem apresentado na tela viria em sua direção - rompeu com paradigmas cognitivos. As (re)voluções internas às artes, como o “movimento” impressionista, são uma exemplificação disso.
Dentro da estética cinematográfica, a indústria francesa, por exemplo, pesa muito a questão do conteúdo, e o apelo da forma parece não acompanhar. O cinema de Hollywood, por outro lado, traz grandes contribuições de forma e não raro o conteúdo não parece acompanhar. Quando a conexão se dá de forma primorosa, temos um momento interessante na Arte, atravessado nas grandes fases da história da expressão. O próprio Impressionismo, é mais bem posto - segundo pesquisadores - enquanto uma maneira de pensar a arte, enquanto um movimento ideológico.
Este tipo de movimento da arte é algo deveras interessante e ultrapassa a própria arte, pois incide sobre a forma de processamento do conhecimento e do próprio conteúdo do pensamento.
A nossa cultura absorve certas experiências (conteúdos, suposições sobre o mundo) e depois opera com/sobre elas, positivamente ou não, mas aprimorando o sistema conceitual à medida que ele fica mais complexo. Hoje, questões como higiene (em vários níveis) e direitos dos animais é algo tratado como natural pelo cidadão default de nossa cultura contemporânea, o que não era para o cidadão medieval, por exemplo.
As formas artísticas e seus conteúdos agregam mais ao pensamento do que às vezes comentamos. Um leitor mais exigente se torna um produtor mais exigente e o resultado dessa produção tenta se adequar ao estado-atual-da-arte, fazendo o sistema evoluir.
Esse foi o ponto que considerei mais relevante comentar, sem mencionar coisas particulares ao filme como: delay de reações por parte da audiência (questões cognitivas); apresentação de temáticas complexas através de uma roupagem desafiante, mais interessante do que exposições lineares de questões de Lógica e Teoria; questões internas a teorias, etc.
Com a junção desses elementos, nasce um filme.
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