Tempestades

―Que merda, faltou luz!
Estava parado em frente à porta dos fundos. A única luz que entrava era a dos relâmpagos. Gélida, azul e mortal. Teve a sensação de uma forma agigantando-se por trás. Não conseguia virar para ver. Garras compridas, afiadas e geladas tocaram-lhe o pescoço. Em reação o corpo crispou-se e tremeu. Girou nos calcanhares. O grito ficou trancado na garganta.
De olhos abertos, encarava o teto. Imóvel. Ainda sob o efeito do pesadelo. A garganta estava seca. Não tinha forças, nem coragem para ir buscar. Continuou deitado, observando a luz azulada, quase contínua. Ouvindo o vento que usava a chuva para açoitar paredes, portas e janelas. Uivando tresloucado. Sibilando pelas ruas.
Houve um forte estouro que levou consigo a eletricidade. Sentou à beira da cama. Pousou os pés no chão. Quase de imediato, teve vontade de levantá-los. O chão estava gelado e úmido. Úmido? Sim, úmido. Tateou com os pés pelos chinelos. Falhou.
De joelhos, com um braço apoiado na cama, procurou com a mão por ele. Encostou em algo estranho. Apoio o braço livre no assoalho, inclinando a cabeça, espiou embaixo da cama. Empurrou, ao mesmo tempo, a coisa e a si, batendo de costas na parede. A dor subiu rápida e violenta até a nuca.
Estava encarando a parede sem acreditar que sonhou que estava sonhando. Já tinha ouvido falar sobre isto, mas era a primeira vez que acontecia com ele. Mal podia acreditar naquilo. Só podia ser culpa daquela tempestade furiosa, lançando sua luz lúgubre para todos os lados. Não tinha mais vontade de dormir.
Um som quase imperceptível, mas suficientemente suspeito veio dos fundos. Empertigou-se na cama para ouvir melhor. Nada. No entanto, teria que olhar. O seguro morreu de velho, como diriam nossas mães, ou de tédio, completou. Sentou na cama e calçou os chinelos, aliviado por estarem lá. Passou pelo corredor num risco. Desde pequeno tinha medo de sair da sua cama durante a noite, principalmente quando havia tempestades e ainda mais depois de ter pesadelo. Pior ainda sendo ele duplo. Sempre tinha certeza de que veria a forma de um homem, ou coisa parecida com a de um, parada olhando para ele. Como poderia saber que estava olhando para ele? Só sabia, sem por que.
Caminhou até a cozinha. As luzes dos relâmpagos refletiam nas paredes e vidraças, ficando ainda mais fúnebres. Espiou pela vidraça da porta. Nada. Suspirou e olhou mais uma vez sem averiguar se a porta continuava trancada. Um relâmpago desceu do céu serpenteando até a terra. Explodiu roubando a eletricidade. Pulou por puro reflexo, estacando logo.
― Que merda, faltou luz!
Sentiu que algo viperino se aproximava. Dedos gelados tocaram-lhe o pescoço, subindo devagar para a nuca. Virou rápido, pronto para reagir. Paralisou, somente um grito baixo, quase inaudível saiu.
Estava deitado de bruços, com a cabeça de lado. A eletricidade acabou enquanto dormia. A tempestade continuava violentando paredes e muros. Iluminando tudo com aquela maldita luz azulada, fria e letal. Lançando sombras estranhas para todos os cantos. Virou para o lado da janela. Outro raio cortou o céu. Ao seu lado uma forma humana, acocada. A única coisa que viu depois foi uma luz vermelha que atingiu seus olhos violentamente, cegando-o. Não teria mais problemas com sonhos e tempestades.

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