O Cânone Literário em perspectiva - um debate antigo e trivializado

Tendo em vista que o Cânone Literário é composto pelas obras de renomado valor estético e cultural de uma sociedade, nos dispomos a pensar, muito brevemente, seus critérios conceituais – uma vez que arte pressupõe contexto e atores sociais.

A nossa literatura, como denomina Antônio Cândido ao se referir ao cânone literário brasileiro, é predominantemente baseada em autores geograficamente centrais e, segundo a argumentação de Koethe, de caráter estético duvidoso. Se o argumento de Koethe for válido – o que me dizem? – então, o conceito em questão torna-se uma falácia e, desse modo, não se sustenta como referência à ‘grande arte de moldar as palavras’.


Qual seria, primeiramente, o critério de eleição de tais textos e de sua elevação a tal patamar? Para respondermos a essa questão, uma outra antecede: quem elege o cânone literário de uma nação? Os acadêmicos? A tradição (crítica)? A sociedade? Eu diria que uma parcela de cada grupo citado e nenhum deles. Diria que estamos falando de um grupo social que influi e é influenciado pela Academia e que se apresenta politicamente e economicamente representativo dentro do contexto de um território, ou seja, trata-se de uma perspectiva da arte.

O cânone seria (
por tal perspectiva) o resultado de uma pré-seleção natural em um ambiente restrito, uma vez que ele não representaria, a priori, uma determinada cultura mais ampla. Como podemos corroborar esse ponto de vista? Um exercício a ser feito é nos pormos a pensar o conjunto concebido como 'alta literatura brasileira' e analisarmos os objetos descritos nela - é um intento que talvez não estejamos mais dispostos a perseguir.

obs: texto adaptado de minha resposta em uma prova sobre a temática.

A literatura, por hipótese, está arraigada – como qualquer outra forma artística – a um contexto definido, representando a visão de mundo do artista sobre a sociedade que o circunda, isto é, representando uma construção. Mesmo recebendo, e justamente por receber influências externas, o escritor estará compondo dentro de uma situação geográfica, temporal e social única, em uma interface decisiva escritor/meio; seja pela língua ou pela concorrência de diferentes idiomas em um país, seja pelo subdesenvolvimento ou pela hegemonia mercantil, e, consequentemente, cultural, seja por identificação a certos contextos, a ideia de uma determinada sociedade sempre despertará uma gama de reações no escritor/artista.


Assim, o cânone (literário brasileiro) preenche o quesito de contemplar a visão de uma diversidade cultural tal qual uma nação apresenta, oportunizando um panorama geral da arte literária? E esse quesito é apropriado e válido?

Se nada disso tiver efeito para o conceito, se este merece uma revisão, e/ou, ainda, se ele é pertinente para um debate sobre cultura/arte, essas questões induzem a uma provável resposta.


Mesmo que venhamos a concebê-lo como falho em sua essência, o cânone é o nosso parâmetro em termos acadêmico-curriculares (o que provavelmente venha a mudar dentro de pouco tempo!). Certamente, encontramos nele obras de fluidez estética únicas, de valor atemporal. Entretanto, o conceito e a categoria de obras inclusas implicam - dentre um conjunto de implicações - a exclusão de preciosidades no meio do caminho teórico (se ainda ficasse claro que se trata de uma questão de perspectiva...). 

Nesse sentido, o cânone literário não é a nossa literatura, e sim uma parcela desta.

Comentários

  1. A constituição do cânone literário é assunto em essência controverso. A opinião de críticos de renome parece ser o "certificado de qualidade" que certas obras recebem, como se lhes carimbassem: "Digna de se ler."

    À margem dos eleitos, jaz esquecida a literatura oral, por exemplo, rica de beleza artística e de sabedoria popular. É ela que, frequentemente, alimenta o nosso mundialmente aclamado cancioneiro, salpicando pérolas estilísticas, certas como fossem as torrenciais "águas de março"...

    Poesia ou canção? Literatura ou música? Cânone? Popular? Uma resposta importa mesmo? ou o que vale, de fato, é a reflexão?

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  2. Belo exemplo, Luciano! A literatura oral, que parece ser relegada pelo cânone, está bem viva na realidade da maioria de nós, que bebemos dessa fonte direta ou indiretamente.

    Se canção, se poesia.. se literatura ou música, me lembro de fazermos um seminário somente para discutir o tópico com escritores, músicos, professores de literatura e demais interessados.

    Uma classificação parece ser sempre propensa a falhas, ainda mais quando se trata de algo tão multiforme como a expressão artística. Concordo contigo que a reflexão é mais relevante do que a resposta, que o problema é mais relevante do que as oportunas soluções.. infelizmente, porém, o sistema releva as respostas, e pior, muitas vezes omite as perguntas. É válido, então, levantarmos "problemas" de algum modo pertinentes, para que os interessados procurem a direção de sua reflexão de forma mais relevante possível.

    Obs: peço desculpas pela demora na resposta, eu estava offline!

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    1. Vc poderia me ajudar com essa pergunta?1- De que forma o professor de Letras deve trabalhar com o Cânone/clássicos da Literatura (nas aulas de literatura, Língua Portuguesa, Inglesa, produção de texto, etc.), mas sem cair no perigoso jogo ideológico, de reproduzir valores restritos e atrelados à elite, colocando à margem outros valores, estes, atrelados a outros grupos, excluídos do cânone, bem como do grupo que o constrói?.

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    2. Olá, 'Anônimo', presumo que você seja estudante de Letras! Essa pergunta que você trouxe é bem importante. Para refletir sobre uma ou várias resposta(s) relevante(s) para ela, é válido pensarmos o que é uma obra de arte. Uma obra artística é, entre muitas coisas, uma tensão entre forma e conteúdo. Não por acaso, quando bem produzida, ela consegue despertar um conjunto de emoções e reflexões. E como ela faz isso: inspirar emoções e instigar pensamento crítico? Como ela faz? Essa pergunta merece ser feita na sala de aula. Variantes dessa mesma pergunta podem surgir: Por que este livro se destaca em nossa cultura? Por que esta obra é tida como tão completa? Por que esse texto perpassou gerações e culturas? Indo ao âmago da relevância da obra, o professor terá a oportunidade de ultrapassar clichês ideológicos e respostas rasas. E, nesse caminho, surgirão dúvidas sobre estética, retórica, valores sociais, morais, diferenças culturais, etc. O professor, assim, terá a tarefa de conduzir uma reflexão sobre a forma da obra, sobre seu conteúdo e sobre a relação entre ambos. Se oportunizar uma reflexão desse tipo, o professor estará prestando um grande serviço à formação de seus alunos. Sugiro, para inspiração, a entrevista do grande cineasta José Padilha: https://www.youtube.com/watch?v=3RIki5AYe0I&feature=youtu.be&t=6m35s. : )

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