Duas situações

Dias desses, voltando de ônibus para casa, presenciei algo que já estamos acostumados: transações comerciais. A negação nunca pareceu problema para ninguém, nem parece ter sido naquele dia. Ou melhor, para a maioria.
Diferente do que normalmente ouço, a moça vendedora de paçocas, após o discurso costumeiro, abordava as pessoas perguntando:
-- Vai me ajudar?
Era uma tática persuasiva, talvez não premeditada. Prefiro acreditar que sim, pois torna mais fascinante.
Qualquer um que se negasse a comprar a paçoca, estaria negando ajuda a um ser humano. Não a alguém distante, que não se vê, mas a alguém ali, à tua frente e olhando nos teus olhos. Nem todos compraram, a maioria não comprou, mas pude observar o constragimento de alguns ao negar ajuda àquela moça e a pressa de outras em atender.
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Durante o almoço de domingo, minha mãe me pergunta se é necessário trabalhar e cobrar de crianças de 3º ano (a antiga segunda série) a distinção conceitual entre encontro consonantal e dígrafo, com toda a abstração envolvida. Respondi que a distinção conceitual envolvia a noção de fonema. Antes de dizer qualquer outra coisa percebi um levantar de sobrancelhas de minha irmã -- universitária e espirituosa. Ela não sabia o que era fonema.
Pareceu um problema fácil de resolver. Um bom exemplo que a fizesse perceber a diferença sem entrar em termos técnicos.
-- Um fonema é capaz de distinguir significado. Como tia e dia. O tam e o dam diferenciam a palavra, né?
Ela concordou com a cabeça.
-- Agora em tia (palatalizado ou chiado) e tia (não palatalizado ou não chiado): o tam e o tcham distinguem significado?
-- Não, mas distinguem a banda.
Que mais eu poderia fazer senão rir. E querem que uma criança de 8 anos entenda isso.

Comentários

  1. Esta semana entramos em uma discussão acerca do meta-conhecimento linguístico e da metalinguagem (no ensino). A questão iniciou na dificuldade que as crianças apresentam na aquisição de orações relativas. É mais complexo o raciocínio SOBRE a língua, pressuposto no uso de termos que remetem a outros termos (o discurso DO QUAL te falei/A carta QUE não chegou).

    A questão do ensino de língua centra-se no conhecimento acerca dos fenômenos da língua, das suas diferentes potencialidades. A metalinguagem pressupõe o meta-conhecimento linguístico e não o contrário.

    Sem falar do fato de que os termos alteram dependendo da perspectiva teórica adotada.

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  2. O ensino de língua deveria centra-se no conhecimento acerca dos fatos, entretanto o que se encontra são visões distorcidas sobre o que seria ensino de língua.

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  3. Em relação à aquisição das relativas, a discussão pode ser vislumbrada no trabalho de Margarete Axt:http://www.lelic.ufrgs.br/portal/images/stories//(15)projeto_linguagem_logo_nova.pdf (apresenta uma proposta de sistema direcionado ao trabalho com essas estruturas baseado em inteligência artificial).

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