(roleta-russa)
Na primavera de 85, três amigos combinaram de se encontrar no galpão que havia próximo ao lago no qual se banhavam em dias quentes. O lugar era isolado. Poucos conheciam. Era lá que se reuniam para conversar, brincar e tramar. Eram conhecidos por sua incapacidade de socialização.
Conheceram-se na sexta série. Cada qual vivia, então, mais sozinho do que o outro. Os colegas os estranhavam por não se sentirem bem em sua companhia. Havia boatos de que o pai de um deles entregou a própria esposa ao SNI, enquanto o do outro desapareceu misteriosamente pouco antes do aparelho que conhecia cair e o terceiro era o fantasma: ninguém sabia absolutamente nada sobre ele.
Ligados por representarem uma ferida, ainda aberta, que todos queriam esquecer, tornaram-se grandes amigos. Uma das professoras chegou a vaticinar que aquela amizade terminaria
Naquele ano, o ocaso da ditadura, conseguiram uma arma. Encontraram-na no galpão. Não queriam saber o motivo de alguém tê-la deixado lá. A ditadura que eles enfrentavam era imposta pelos colegas e por eles mesmos. Naquele dia, tinham esperança de acabar com ela.
Cuidadosamente arquitetaram o golpe. Fizeram parecer segredo para despertar a curiosidade dos outros alunos. Aos poucos, correu a notícia sobre a roleta-russa que aconteceria no galpão. E, que diferente do que ouviam falar, só haveria uma bala faltando no tambor. Finalmente, os três conquistaram o direito de fazer parte da sociedade. Sorriam por serem visíveis.
Chegado o dia marcado, seguiram de cabeça erguida para o galpão. Sabiam, que da forma que haviam feito, a chance de sobreviverem era pequena, mas, afinal, apenas um poderia deixar a invisibilidade. Formaram um triângulo no meio do galpão e deram início ao jogo.
Giraram a roleta e tiraram na sorte a ordem. O primeiro pegou a arma e, antes de puxar o gatilho, sorriu. De uma forma ou de outra seria lembrado. Em seguida caiu, enquanto lá fora os pássaros voavam assustados. Como se o tempo nada importasse, o segundo pegou a arma e a observou. Tremia e arfava. Seus ouvidos ainda zuniam com o estouro e a sua roupa tinha sangue respingado.
O fantasma começou a chorar e pedir para desistirem e buscarem ajuda. Aquilo não valia a pena. O segundo parecia ceder ao seu pedido, no entanto virou a arma para o fantasma e puxou o gatilho. Não houve som, não houve assassinato e, como dizem, três pessoas podem guardar um segredo desde que duas delas estejam mortas. Colocou a arma na boca e no fim o único visível era o próprio fantasma.
Comentários
Postar um comentário