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Quando acordou a luz branca já estava acesa. Trocou o uniforme cinza de algodão por outro exatamente igual. Deixou o quarto de 5 metros quadrados e de paredes brancas para atravessar o corredor alto e estreito. Como de costume, a refeição já estava servida. Comeu ouvindo apenas seus próprios movimentos. Levantou e foi ao banheiro, ao voltar, para pegar um copo de água, não encontrou sinal do que usara no café.

Com o copo na mão sentou contra a parede e virou o rosto para ouvir o que sem saber era o canto de pássaros. Era o único lugar em que se podia ouvir algo daquele mundo estranho além das paredes brancas. Passava ali todas as horas que podia.

Não compreendia aquela movimentação agitada e desordenada que lhe chegava fracamente através das paredes. Não compreendia, mas ansiava conhecer. Sua vida ali se orientava através das luzes. Quando acesas deveria levantar, quando apagadas deitar, porém, com o passar dos anos, preferiu se orientar pelo som externo. Sentava no escuro só para ouvir o barulho que tanto invejava. Só durante àquelas horas sentia viver.
Sua existência de resumia a se alimentar e dormir entre as paredes brancas, vestindo roupas cinza. Sempre havia qualquer coisa que precisasse, sem jamais conhecer outro ser vivo. Em verdade, nem sabia o que era ser vivo. Por isso se acostumou a viver no silêncio daquele lugar. Andava e agia quase sem fazer barulho e nunca emitiu nada. Se devia a este silêncio e solidão, a atenção que dedicava ao som exterior, principalmente ao dos pássaros. De certa forma, se identificava com eles.

Mais uma vez, as luzes se apagaram e não se ouvia mais os pássaros. Só faltava, então, comer e dormir. E assim fez. Ao acordar, como ainda não tinham ligado as frias luzes, continuou deitado imóvel, aguardando. Sentia muita fome, mas não sono. Não suportando mais continuar imóvel, deu início à sua rotina mesmo no escuro, afinal conhecia aquele lugar muito bem. Se aproximou da mesa e tateou sua superfície. O prato, o copo e os talheres que usara na noite anterior ainda estavam lá. Pela primeira vez sentiu medo e afobação.
Caminhou ainda mais silencioso até o canto e encostou o ouvido na parede. Os sons estavam altos e acelerados. Seu coração bateu ainda mais forte. Nunca tinha acontecido coisa igual.

Andou tremendo até a porta que ignorava por saber estar trancada e, inseguro, girou a maçaneta. A claridade quente o cegava. Não pertencia a seu universo. Sem conseguir ordenar seus pensamentos diante de tantas cores e sons, sem entender nada de tudo aquilo, seguiu a única coisa que lhe parecia familiar e tranqüilizador: o canto dos pássaros. Finalmente, conheceria a origem daquele canto que lhe fazia companhia.

Viu pequenos seres presos em gaiolas — os primeiros seres vivos que conhecia. Eles caberiam em suas mãos se os pegasse, porém observava apenas. Os seres tinham duas perninhas finas e apenas três dedos longos, seus olhos eram redondos e sem cílios, seus corpos eram delicados e coloridos. Alguns deles abriam e estendiam o que deveriam ser braços, contudo não se assemelhavam aos seus. E quando faziam isso iam de um lado a outro do pequeno claustro.

Aos poucos entendeu como eles se sentiam e, uma a uma, abriu as gaiolas. Em êxtase, observou a revoada sonora e melódica. Pela primeira vez, um som saiu de sua boca: foi um riso louco e desmedidamente livre.

Comentários

  1. O mais legal é que esse teu conto tem uma relação com a música Hotel California.

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