Ferramentas como aconselhadores ortográficos e sintáticos auxiliam os usuários na produção textual. Às vezes estes até se tornam dependentes dessas, apesar de elas possuírem limitações. Algumas dessas limitações são mais simples de serem solucionadas, como é o caso do corretor ortográfico que marca palavras desconhecidas por ele. Contudo as limitações do aconselhador sintático (AS) nem sempre são fáceis de serem sanadas, como é demonstrado nos casos discutidos a seguir, nos quais essa ferramenta sugeriu alterações erradas.
Foram selecionados cinco casos, nos quais um aconselhador sintático sugeriu alterações erradas. Esses trechos foram analisados, buscando-se a causa para o erro da ferramenta.
Caso um
No período a seguir, a causa do erro do aconselhador sintático é semelhante à recém exposta.
O menino soltou a tampa e, novamente, o silêncio e ‘a escuridão o aturdiram’.
O AS marca ‘a escuridão’ como sujeito simples, sugerindo, portanto, a conjugação de ‘aturdir’ na terceira pessoa do singular. Não é identificado o sujeito composto (o silêncio e a escuridão) da segunda oração, pois o AS identifica ‘o silêncio’ como integrante da primeira oração devido à primeira conjunção ‘e’. Se essa for eliminada, a causa do erro do programa também o é.
• O menino soltou a tampa, novamente, o silêncio e a escuridão o aturdiram.
Para compreender o que o levou ao erro, é necessário fazer análise a nível paradigmático, se abstraindo o sentido. A esse nível, a estrutura do período (se valendo de nomenclatura morfológica) é a seguinte:
art + subs + v + art + subs + conj + (adv) + art + subs + conj + art + subs + pron + v,
a partir da qual duas interpretações são possíveis.
Na primeira interpretação, a mesma do AS, os dois núcleos de SN2 pertencem ao primeiro sintagma verbal, como pode ser observado no esquema abaixo:
Na segunda interpretação, o segundo núcleo de SN2 e o SN3 integram um sintagma nominal, sendo este o sujeito composto da segunda oração, como demonstrado no esquema abaixo:
A partir do exposto, tanto uma quanto a outra interpretação são válidas, porém ao se fazer a análise a nível sintagmático, a primeira é eliminada, e a primeira conjunção ‘e’ é entendida como ligação entre as duas orações enquanto a segunda é conetivo entre sintagmas nominais. Tudo isso para dizer que o AS teve como critério a proximidade entre os elementos, enquanto o falante teria como critério o sentido.
Caso dois
Fenômeno semelhante ocorre no seguinte período:
Até os adultos deixavam transparecer a repulsa que sentiam ‘só’ por saber que aquilo estava lá.
Nesse, porém, o problema é a identificação da classe gramatical de ‘só’. O AS identifica ‘só’ como adjunto adnominal de ‘adultos’, precisando de concordância em número. Contudo, nas frases a seguir o mesmo não ocorre:
1. Elas só comem laranja.
2. Eles sós não fazem nada.
3. Só comeu o que quis dos três pratos.
Os fatores que levaram o AS a tal erro são: a) antes de ‘só’ há um verbo na terceira pessoa do plural, cujo sujeito é ‘adultos’, tomado como referente para o termo; b) o verbo ‘saber’ está precedido por preposição, impedindo a identificação automática de ‘só’ como um modificador da oração subsequente.
Caso três
No período abaixo:
A cicatrizaRão ‘foi lenta e imperfeita’.
o AS sugere a concordância do verbo ‘ser’ com as duas palavras subsequentes, ficando ‘foram lentos e imperfeitos’. Além da mudança na pessoa verbal, também é sugerido a alteração de gênero desses adjetivos. Ao consultar a gramática da ferramenta sobre essa sugestão, é apontado como sintagma problemático ‘a cicatrizarão’, segundo AS deveria ser ‘O cicatrizarão’.
Houve falha tripla. A terceira é a identificação de ‘cicatrizarão’ como substantivo masculino, com o qual ‘lenta e imperfeita’ deveriam concordar em gênero. A segunda é a concordância do verbo com o predicativo de dois núcleos. A primeira (exposta por último por ser causa para as demais) é a não-identificação da troca de ‘Ç’ por ‘R’ em ‘cicatrização’. Quando é corrigida esta palavra, o AS não faz nenhuma marcação.
Caso quatro
Neste período
Conforme caminhei pelo labirinto ‘senti’ seus olhos me observando.
o AS marca o verbo ‘sentir’ como se este estivesse com problemas de conjugação. Ao se selecionar a explicação disponível pela ferramenta, a informação dada é que o verbo deve concordar com o sujeito: ‘labirinto’. Seguindo a sugestão da ferramenta o período fica assim:
• Conforme caminhei pelo ‘labirinto sentiu’ seus olhos me observando.
Além de semanticamente prejudicado, também o está sintaticamente, entretanto o AS não detecta nenhum dos dois problemas.
A falha da ferramenta nesse período se deve a problemas de pontuação. Falta vírgula após o adjunto adverbial ‘Conforme caminhei pelo labirinto’, possibilitando a identificação pelo AS de sujeito-verbo-objeto (labirinto sentiu seus olhos). Se a vírgula for colocada, não é feita marcação alguma.
Conforme caminhei pelo labirinto, senti seus olhos me observando.
Caso cinco
Em
Escondida atrás do galpão das ferramentas, ‘quebrei’ o ovo, mas o pintinho não sobreviveu.
o AS marca ‘quebrei’, explicando que não se separa com vírgula sujeito e verbo. Seguindo a sugestão, o período fica assim:
• ‘Escondida atrás do galpão das ferramentas quebrei’ o ovo, mas o pintinho não sobreviveu.
Ao se eliminar a vírgula como sugerido, nova marcação é feita, como demonstrado acima. Desta vez a explicação dada é sobre concordância entre sujeito e verbo. O AS identifica ‘escondida’ como sujeito do verbo ‘quebrar’. O período em termos morfossintáticos, tendo o AS como parâmetro, possui duas orações:
Em consequência do sujeito expresso apenas na desinência verbal e da oração reduzida de particípio adverbial topicalizada, o AS identificou a ordem canônica (sujeito-verbo-objeto). Se o período for reescrito, seguindo a ordem canônica, como demonstrado abaixo, nenhuma marcação é feita pela ferramenta:
• Quebrei o ovo escondida atrás do galpão das ferramentas, mas o pintinho não sobreviveu.
Como dito, o aconselhador sintático (AS) auxilia o usuário na produção textual, ainda que com algumas limitações. Essa ferramenta só pode ajudar quanto à coesão, e mesmo assim apresenta certas deficiências. É possível deixar uma frase pela metade sem que seja apontada a incompletude sintática e semântica. Até por que, mesmo, morfologia e sintaxe possuem, em certos casos, critérios semânticos e pragmáticos, dependentes de capacidade inferencial.
Nos casos um e três essa impossibilidade de fazer inferências foi a maior responsável pelos erros do AS. Nos demais casos, ela também está presente de forma menos evidente.
Nos casos quatro e cinco a ferramenta buscou elementos para compor um período de acordo com a ordem sujeito-verbo-objeto. Ainda nesses dois casos a topicalização de outros termos possibilitou à ferramenta a identificação de um pronome substantivo como o sujeito.
Nos casos três e quatro, que de fato apresentavam problemas, a solução necessária era mais simples do que a sugerida pelo AS. Entretanto, este não os detectou.
A causa do conselho errado do AS não foi única e como se mostrou na discussão de cada caso um fator levou ao outro, dificultando a possibilidade de detecção automática.
O AS possui limitações como dito, porém, se usado como ferramenta auxiliar, elas são contornáveis.
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