Diamante de Sangue, Happy Rock e Alteridade: por alguma uma interface


O meio é a mensagem, McLuhan


"Nessa terra de gigantes. Que trocam vidas por diamantes..."

Diamante de Sangue (Blood Diamond, EUA, 2006)
é um daqueles filmes ambíguos em termos estéticos; é um filme que traz elementos típicos da indústria de ação hollywoodiana, ao mesmo tempo em que apresenta um intimismo bem marcado. Trata-se de uma narrativa de anti-herói, que, tipo Macunaíma, representa uma crítica forte e evidente ao contexto. Não é pelo excesso nem pela subversão que o filme é interessante, há um realismo que trabalha os fatos. Vale ainda dizer que o filme é, na minha perspectiva, uma peça de arte com uma temática de estratos, isto é, ele apresenta um tema e, através deste, traz outros, por níveis, como em um processo derivativo que adiciona afixos a uma raiz.


Fazer isso não é tão simples, pois pode ser que os níveis não se encaixem de forma amigável ou ainda que não sejam abordados com certa profundidade. No caso do filme, a extração desonesta de diamantes na África do Sul; a escravidão do povo pelo povo, em uma rebelião Guerrilhas x Governo; a sede por dinheiro que sustenta e gera um mercado mundial baseado em uma ilusão comercial; o tráfico de armamentos, todos esses e muitos outros elementos temáticos são confrontados em uma perspectiva de observar onde está o Homem diante de suas ações e o que leva as pessoas a exterminar sua gente e a passar por cima da própria dignidade por ganância. Os meios justificando os fins. O meio sendo a mensagem. Que fins, que mensagem? A vida daquelas pessoas foi pintada por um pincel simples e objetivo, onde se reconhece as ações diárias e as questões diárias, a vida é o que fazem enquanto buscam ganhar a vida, barganhando-a.


Exposto algo sobre um filme nada doce, chamamos ao debate o Happy Rock, tendência em pauta no cenário musical. A estética dos grupos, em uma moda que obviamente não é novidade (basta comparar o visual do vocalista da banda Restart e do Elton John em seus shows anos 80), chama atenções. Sem adentrar na semiótica das cores e nem no quesito classificação de gênero musical - a tese de que as cores influenciam comportamentos é certa. Roqueiros coloridos é algo definitivamente interessante, trazendo um pouco de luminosidade ao sóbrio. Comentada a forma, eis a discussão sobre o conteúdo. Não se trata de discutir a qualidade desse conteúdo, mas o próprio conteúdo desse Rock.


Convocadas à discussão, na MTV Brasil, algumas personalidades musicais desse e de um cenário menos atual, alguns jovens músicos coloridos expuseram que suas canções são alegres pois eles não veem motivo, em termos musicais, para reclamar ou reivindicar. O atual-estado-das-coisas não os inspira a uma letra de protesto, como outrora o fez, conforme cantou O Maluco Beleza: para vender disco de sucesso, todo mundo tem que reclamar... A questão é que, contextos históricos à parte, tal qual este próprio músico comprovou, arte de conteúdo pode vir sob protesto deflagrado ou não.

Uma geração como esta dizer que não sente vontade de criticar seu entorno, pois não vê tal necessidade, não tendo inspiração para isso, é algo estranho em se tratando de juventude e de Rock, ou mesmo Pop, ou rumando a outra coisa, como alguns defendem. Arte pela arte, a estilo Oscar Wilde, ou música de diversão como dizem, o argumento é que me desperta curiosidade: não há do que reclamar, no fim das contas, foi essa a alegação (pode não ter sido essa a intenção!).

O conceito de alteridade não é o foco da discussão. O que está unindo os temas é a visão de que pensar o outro está cada vez menos em pauta, refletindo na arte 'jovem': uma ideia que não se compra e que não vende. Não são apenas os músicos do Rock que refletem sobre a sociedade criticamente, temos representantes em todos os gêneros musicais: Baião (Dominguinhos), Pop Rock (Engenheiros do Hawaii), Nativista/Gaudéria (Teixeirinha), Funk (Claudinho e Bochecha), MPB (Tom Jobim), Forró/Regional (Chico Salles), apenas citando o que primeiro vem à mente.

Diamante de Sangue explora isso em muitas dimensões: no jornalismo pouco ou apenas observativo; na ONU, com seus paliativos; nas ONGs, que ajudam como querem; na mídia, que mostra o que quer nas cápsulas que lhe convém; na população interna, cega e fragilizada; na política, corrupta; nas grandes corporações, gananciosas; na sociedade, iludida pela beleza que se compra, ...

Realmente não ter do que reclamar fica difícil de fundamentar, a não ser que o objetivo seja um conteúdo que, como o humor (se é que se pode colocar no singular), traga um pouco de riso e diversão. Mas o próprio humor anda apostando na crítica, o humor é rir da própria condição, que condição? Ah, a Comédia..

No fim do filme, resta a reflexão que clama, que induz a uma ação: talvez seja a de ligar o rádio e ouvir uma canção alegre...(!).

Comentários

  1. Paradoxo: a globalização que parece nos levar a uma individualização egoísta. Ouvir uma "música alegre" (poderia citar mais de uma com teor crítico) por não ter algo errado sobre o que não deveriamos nos calar é muito diferente de uma ouvir ou fazer música alegre para esquecer o muito sobre o qual protestar. Formas de desviar a ateñção do problema só funcionam pois muitos querem ter sua visão desviada. Podemos citar como exemplo: Jogos olímpicos, desde o tempo em que os deuses ainda moravam no Olimpo. Lembre-se do Nazismo. O mesmo vale para a Copa. Do que será que querem tanto desviar nossa atenção? Será que há algo dessa vez? Se quer o povo feliz, ingênuo, acreditando não ter o que criticar.

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  2. Bem, acho essa abordagem muito sagaz por assim dizer. Mas me recordo de por exemplo, fatores historicos que dão evidências e nos dão necessidades unicas, por tal motivo é muito dificil termos um novo Caetano ou Chico, com tal carreira e fama. Esse diamante de tres minutos no radio é fruto de todo um produto que não interessa mensagem, a partir de um investimento para ser ter lucro em determinado tempo. Deixando a mercê, subestimando a massa, criando uma cultura de que Diamantes eruditos, Diamantes elaborados, Diamantes experimentais não são para consumirmos, queremos coisas fáceis. Embora o produro diamante "cd" virou apenas um cartão de visitas para um bom diamante concerto, e para quem decide qual diamante moda fará sucesso nesse ano, o diamante de sangue são os shows super produzidos e formações esteticas como bem falado, intecionais para um possivel credito de humanidade do mercado!
    No mais temos um cenario que diamantes de sangue são apenas para uma distração, e musica "é para quem pode", até no próprio tem-se uma dita eruditação no simples fato de ter um senso crítiro, ou busca por informação. No mais, nossos caçadores de emoção pura estão a mercê da caça aos diamantes, e nos deixam estaziados com suas proezas musicais, sendo um ainda famoso Domiginhos ou um experimental instrumentista não conhecido pelos operários catadores de diamantes, como o flautista Greg Pattillo do recente Project Trio!

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  3. Sabe Stephane, sou uma pessoa um tanto limitada, e vou manter meu foco na música, algo que entendo, mesmo que superficialmente. Não quero discutir sobre o anti-herói do filme Diamantes de Sangue (mesmo porque eu fixaria minha tenção no coadjuvante cujo filho é seqüestrado, e além do mais, vejo o protagonista como alguém em busca de rendição, não um anti-herói), mas posso tentar contribuir com alguma coisa na esfera musical. Embora tenha entendido e concordado com as idéias apresentadas, mantenho certas restrições quanto à forma de compreender a falta de “ideologia” nas letras músicas atuais. Não, ideologia é a palavra errada. Vou manter o foco em “letras de protesto”. Já ouvi muitos músicos criarem a música (melodia) para depois pôr a letra. E pasme, ouvi de mais de uma pessoa, que a letra não importa. O que realmente interessa, segundo Flávio Basso, Herbert Vianna, e tantos outros (cito apenas dois que recordo agora) é a música, a batida, a melodia e o ritmo. Não falam da letra. Então penso: se a letra não é importante, “música alegre” não seria uma grande futilidade, até teria um certo espaço, e por que não, apreço. Basta lembrar da primeira fase dos Beatles, antes do álbum Revolver (1966), querem letras mais “bobas” que A Hard Day’s Night, Love me Do, ou She Loves You? Também não vou discutir música clássica (mesmo porque há um esforço enorme em delimitar o que realmente é música clássica. Seria apenas música antiga? É necessário um naipe de sopros, ao menos um violino e um cello?) onde não há letras – na maioria, ao menos – mas todo um esforço para representar diferentes timbres, impressões e vibrações. Voltando às letras. Lembro de ler, em uma Revista Veja, em 1996, quando da morte do Renato Russo, uma entrevista inédita onde o próprio dizia escrever as letras simplesmente porque sabia que elas dariam dinheiro. Ele sabia que se cutucasse os adolescentes, falasse sobre depressão, amor não correspondido, e outras coisas mais que nos atormentam, faria sucesso. Isso remete à uma questão: se aparentemente ele não acreditava no que escrevia, embora soubesse que iria fazer sucesso e ganhar dinheiro, não seria ele um “vendido”? Alguém que não acredita em algum princípio, mas se sujeita para ganhar dinheiro, fama, seja lá o que for? Evidentemente alguns conceitos históricos são necessários para se expressar com algum conteúdo, inclusive essa é a temática da minha monografia, apresentada em 2008, mas acho que as vezes precisamos nos livrar dessa máscara blasse, dessa pose cool e simplesmente apreciar a arte pela arte. Exemplos não faltam: nas artes plásticas, Leonardo Da Vinci (que elucida sua capacidade de pintor em último lugar, em uma lista de 25 atividades), Botticelli, Manet; na música já citei os Beatles, mas posso falar de Little Richard e Jerry Lee Lewis, etc. Não dá pra levar a vida inteira na ponta da faca, sempre lutando por uma causa. Carlos Prestes já disse, e está registrado, que é impossível ser 100% ideológico a vida inteira (Fidel Castro com um abrigo da Adidas é um excelente exemplo). Talvez esta discussão ocorra hoje pelo comodismo de certas camadas da sociedade (é facílimo alegar que ninguém faz nada criativo sentado na frente da tv assistindo The Big Bang Theory) ou até mesmo pela segurança econômica – e não venham me dizer que isso não existe, porque é mentira – que vivemos. Há uma estabilidade econômica bem evidente, mesmo que seja de uma parcela ínfima da população. Quem realmente precisaria criar “letras de protesto” está ocupado trabalhando dois ou três turnos pra poder alimentar seus filhos.

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  4. Henrique, há vários pontos de convergência de nosso pensamento e alguns falsos pressupostos. O ator coadjuvante é uma peça central na história e na narrativa, mas a personagem está articulada de tal forma à personagem que classifiquei como anti-herói, que ela é explorada, sobretudo, dentro desse conflito entre ambos, bem como suas facetas são conhecidas a partir dessa relação. O sequestro do filho, interesse de um, e a busca pelo diamante, interesse do outro, ativam o contexto de interação e é contexto o fundador para o desenvolvimento das ações e existências. A busca de rendição é, de fato, o que impele a personagem central (Danny Archerv) a insistir e desistir. Mas isso não contrariaria a tese de que ele é apresentado como um anti-herói: é um assassino, um traficante, um negociador no mercado negro, um sujeito fragmentado, que é guiado, durante grande parte da narrativa, por motivos nada altruístas, porém que se revela portador da fragilidade do ser humano, na condição de relação direta com o ‘meio formador’, e do qual ele deseja se libertar: ‘quem sabe em outra vida’, ele confessa para Maddy. Ele seria a expressão máxima, dentro do filme, da condição humana em busca da deflagrada rendição. Nesse sentido, o 'anti-herói', pois, no fim, ele é fundamental no desenlace; ele é quem salva, sendo, então, o ‘herói’ principal (mas, como eu havia dito, esse é um enredo de camadas, e, embora central, ele não é o único herói numa terra de seres humanos). Outro ponto: não há uma falta de “ideologia”, justamente porque ela sempre está presente, enquanto conteúdo inerente a todo ato humano (basta lermos Santaella em termos de sua expressão na linguagem, sem falar nos ‘clássicos’ de Frankfurt). Em relação às letras: o ponto. Renato Russo não me surpreende em dizer o que tu te referes, mas basta pegar suas letras e comprovamos o contrário. Por isso, citei a frase irônica do Raul. Música não é só letra entoada, claro - caso contrário, seria poesia pura. Tu citou o líder do Paralamas do Sucesso, banda marcada por um som experimental e cheio de referências de diversas linguagens instrumentais, mas olha o que diz em uma biografia deles: “Herbert seguia remoendo dores amorosas e ainda aproveitava para cantar o jeito brasileiro - não necessariamente o jeitinho - de sobreviver em tempos desleais. A hiperinflação, as primeiras desconfianças sobre o regime democrático e a coletiva falta de rumo asfixiavam aquela geração que, anos antes, cantava a esperança no futuro. Mais uma vez, eles eram a voz dos seus contemporâneos...”. Não dá para extrair a letra da linguagem musical da banda: é um composto. E eu não sou contra “música alegre”, o que é Twist and shout dos Beatles; Good times, bad times, do Led Zeppelin; We will rock you, do Queen, etc? Refiro-me ao argumento defendido quanto ao aclamado ‘Happy Rock’, que pode ser uma falácia em sua origem. Música clássica é uma linguagem extremamente elaborada e racional que eu não domino, portanto também não vou discutir. Não concordo com a tese ‘arte pela arte’, mas sou fã de muitos defensores dela, como o Wilde. Empiricamente ela serve muito bem (A: Por que admira tal peça? B: Porque ela é ótima e completa!), mas ela traz implicações às quais eu me oponho, como, por exemplo, de que sua realização é seu propósito maior, sendo ela autônoma. Tu citou Da Vinci, o trabalho dele é elaboração pura e detalhada na intenção de estimular a consciência do receptor de sua obra. Não é necessariamente uma causa deflagrada, como eu já expus. Nada impede eu assitir a um belo e divertido episódio de The Big Bang Theory (eu faço isso!), mas criticamente e criativamente, por que não? Afinal, é arte também. Aos trabalhadores na luta diária para se manterem e à família (penso na minha própria família), se não podem lapidar e expressar ao ouvidos alheios suas letras de protesto, que tenham o direito de ouvi-las, nem que seja na roupagem de uma alegre canção.

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  5. Somente ontem eu ouvi (do Maurício Amaral), pela TV COM, quando da transmissão do Planeta Atlântida 2011, uma constatação que falo há tempos: bandas como Fresno e NX0 devem sentir-se gratas com o aparecimento dos grupos musicais do Happy Rock no cenário nacional. Estas bandas fizeram aquelas amadurecerem e figurarem melhor na visão da crítica. No último VMB, alguns foram opositores ferrenhos dos coloridos, ao invés de verem que seu comportamento deveria ser justamente o oposto.

    Outro comentário que me parece oportuno em um blog sobre linguagem: os "frontman" da Fresco e da NX0 são excelentes comunicadores. Há exemplos contrários no nosso cenário musical, como o Dinho da Capital Inicial, por exemplo, grande músico, mas com dificuldade de comunicação, ou melhor, de expressão.

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